Mentirinhas como essas a que Ariano Suassuna se refere são aceitáveis, fazem parte do dia-a-dia das pessoas, eu incluído. Difícil ver alguém atirando alguma pedra ao ouvir: atire a primeira pedra quem nunca mentiu! Pode ser que o Zé daquele concurso de “o maior mentiroso”, que, ao fazerem a pergunta, única do concurso: “apresente-se quem nunca mentiu”, o Zé apresentou-se e ganhou! Pode ser que este Zé, para não fugir ao costume, atire alguma pedrinha. Claro, não para machucar: de mentirinha também.
Por que falar de “mentiras” num artigo de jornal? Simples: “jornal” vem do latim “diurnalis”, diário, relativo ao dia, hoje, atual. E nada tão atual quanto as mentiras, agora com nome chique de “fakes", que sem pedir licença aportuguesei para “feiques”, como nossos ancestrais fizeram com o futebol, que era “football”. Ninguém mais estranha.
Na verdade, estamos ultimamente mergulhados num mar de mentiras que talvez explique o incremento fantástico de clínicas psicológicas para tratar nossas confusões. E não são mentiras do tipo Suassuna, que fazem rir, mas daquelas que provocam sofrimento, choro, até morte.
Para exemplificar: vai o Ministro à Itália com a família e é agredido por um trio: marido, esposa e genro, um dos quais dá um tapa no filho do Ministro. Esta é a versão do agredido. Mas o agressor dá outra versão: ninguém agrediu, não houve tapa. Duas versões para um fato. Jornalista prudente não afirma: “agredido”, mas “suposto agredido”, “suposto agressor”. Todo cuidado é pouco! Sabe como são as dúzias de processos feiques!?
Experimentei verificar, não na Itália, mas em São Gotardo mesmo, nas ruas e botecos, a compreensão do fato. Quem fala a verdade? Depois de ouvir monte de gente, concluí que é impossível saber. Ainda mais na política, dizem com toda a candura, em que tudo é uma confusão (feita por eles mesmos). Falam, gritam, xingam, cada qual puxando para si a razão.
Inspirado neste “para si”, resolvi aplicar a medida à minha própria pessoa. Já fui xingado de traficante, corrupto, pernicioso, doido. Não de olho no olho, mas por trás, conforme prefere Suassuna. Pelo menos o falante escapa de um soco, algo do tipo. O mal-falado não tem como se defender. Se for mentira? Tomei conhecimento muuuiiiito depois, quando os fuxicos haviam perdido a força e até o significado. Igual xingar árvore de fdp. Ela não reage por sua própria natureza de árvore e por não ser fdp. O epíteto de traficante rendeu desdobramentos: amigos se afastam, famílias impedem filhos de se aproximar. Para “provar” a maledicência, inventaram que eu passara dias debaixo de um mata-burro para fugir da polícia. Perdi emprego, vi filho com problemas na escola, tudo devido à má fama construída por gente que nem eu. Escapei de ser internado por doidice, salvo pelo gongo acionado por minha consorte.
Todos estamos sujeitos às feiques. Não é à toa que a Bíblia toca no assunto em Êxodo 20:16: não levantar falso testemunho. Em Efésios 4:25, Colossences 3:9, Provérbios 12:22, João 8:44, Salmos 101:7. E o Apocalipse 22:15 pega pesado ao associar o mentiroso com feiticeiros, adúlteros, homicidas e idólatras. Não entram no Céu. Seria de esperar que no mundo “cristão” não existissem mentirosos. Mas existem milhões. Salvemos os contadores de casos, pescadores, pinguços, seresteiros, frequentadores de botecos, e colocá-los à parte: estes entram no reino celestial. E também crianças levadas, alunos estressados, esposas de maridos violentos, que, com razão, se salvam com mentirinhas bem boladas.
Sobram os mentirosos bravos, mal intencionados, invejosos, cúpidos. Para estes, o dicionário registra mais de cem nomes para o que praticam, muitos bem esquisitos: alicantina, endrômina, gazopa, ladrado, lampana, maxambeta, moca. Outros bem conhecidos: artimanha, difamação, embuste, engodo, falcatrua, fraude, impostura, injúria, intriga, maledicência, mutreta, patifaria, perfídia, subterfúgio, tramóia, trapaça, velhacaria. O caso do Ministro e do trio deve, supostamente, encaixar-se aí. E o meu, talvez o seu, de muitos!
Rui Castro, jornalista da Folha SP, notou em 2010 que a rapaziada carioca começava a usar bonés com aba pra frente, tampando testa, nariz e rosto. Correto: não lhe parecia que nucas precisassem de proteção contra o sol. Pesquisando, descobriu que a moda do boné invertido era macaqueação do que se fazia nos EUA. O pessoal lá começou a usar pra trás, nós também. Agora não usa mais, nós também não. O general Juracy Magalhães dizia em 1964: bom para eles, bom pra nós.
E de fato imitamos sem dó nem vergonha. Primeiro imitamos os europeus. Está aí para provar até hoje a moda do terno e gravata, em pleno sertão calorento. Claro, para quem pode pagar a “casimira inglesa”! Bom para alfaiates quando não existia roupa feita, como, em São Gotardo: José Maria Araújo, Samaria, Tião Couto, Jair Alfaiate, Valtinho. Conta a história que, nos 1950, um condutor de carro-de-boi vinha a pé guiando seus bois do Cruvinel até a Praça São Sebastião de terno e gravata.
Imitamos a música, os quadrinhos, o chiclete, os cowboys, a calça Lee, a monocultura, as supermáquinas, etc. Ultimamente, a mania do patriotismo, com bandeira nas casas, carros, e hino nacional cantado com mão direita no peito, também vem de lá. Nada contra, é até bonito. A base do aprendizado é a imitação. A língua, por exemplo, ferramenta a mais poderosa já inventada, é aprendida ouvindo mamãe e papai, repetindo repetindo até decorar, seja português, alemão, chinês, russo. E nos tornamos “reis do futebol” (5 mundiais) imitando o “football” inglês, falando back, goal, corner, half, hands, que depois viraram beque, gol, escanteio, lateral, mão.
Mas para Rui Castro o que importa, na história do boné pra trás ou pra frente, é a identidade (“Identidade via boné”). Em linguagem do afamado Nélson Rodrigues, e juntando os dois, o perigo da macaqueação é contrair o complexo de vira-lata: sentimento de inferioridade. Como me valorizo menos, imito aquele que valorizo mais! Ora, nada como uma viagem ao exterior para botar isso em pratos limpos. Foi o que fez Oswald de Andrade, que jovens de 2º. grau estudam nas aulas de Literatura. Foi preciso ele viajar para a Europa para, de lá, descobrir o Brasil. E que não havia motivo nenhum para nos julgarmos inferiores.
Sim, em muitos aspectos, talvez: ruas limpas? prédios altíssimos? túneis? pontes? torres? paisagens? estradas sem buracos? Tudo isso a gente tem, e não precisa ir longe para constatar. Aqui mesmo entre nós, no Centro e nos bairros, em Tiros e Matutina, na avenida Faria Lima em SP, túneis no RJ, ponte Rio-Niterói e as paisagens lindíssimas em nosso rio Funchal descendo rumo ao Indaiá e na estrada da Fragata ao Quartel São João.
Claro, temos ruas esburacadas, prédios aos cacos, áreas com erosão, rios poluídos, barulho infernal, mas lá fora também tem porcarias, até em países de “1º. mundo". Às vezes, menos visíveis, mas observando bem vamos encontrar frenéticos, obésos, hiperativos, ansiosos, carrancudos, gente que não dá risada, séria demais para nosso gosto.
Rola por aí nas redes frase de outro famoso, Domenico de Masi, da Universidade La Sapienza, em Roma – autor de “O ócio criativo” e de certa forma terror do capitalismo que ama trabalhar 24 horas/dia, 365 dias/ano, até o organismo pifar: nem alegre nem triste, apenas fim! Domenico diz que o brasileiro é o povo que mais ri no mundo. Taí uma coisa de que se orgulhar, excelente antídoto contra o complexo do vira-lata. E elogio para elevar nosso moral às alturas.
Para terminar, mais um famoso: Darci Ribeiro, que escreveu “O povo brasileiro”. Nossa identidade é plural, do brasil caipira, caboclo, sertanejo, sulino e crioulo, mas também português, japonês, italiano, alemão, turco, preto, branco, amarelo, dando a risada que impressionou o Domenico do “bem vindo o ócio entre nós”. Temos mais é que sentir orgulho do que somos. Imitando, se necessário, mas sem achar que somos menos ou mais! E procurando melhorar na medida do possível – ao nosso jeito.
01. Uma propaganda na televisão estimulando as crianças a comer banana.
02. Usar só a mão esquerda para levar comida do prato à boca.
03. Andar descalço toda vez que for passear num sítio orgânico.
04. Não ensinar nada para as crianças, permitindo que elas aprendam por si mesmas.
05. Diminuir pela metade a quantidade de palavras faladas durante o dia.
06. Trabalhar sem pensar em quanto vai ganhar.
07. Manter a barriga mais vazia do que cheia.
08. As mulheres cortarem o cabelo curtinho e não usarem esmalte.
Os 8 itens acima expressam IDEIAS ABSURDAS. Talvez você as descarte logo, como elas merecem. Mas o Autor as escreveu apoiado numa frase de pessoa muito respeitada, que é ALBERT EINSTEIN, citado no livro “O despertar da consciência”, de Sebastião Camargo: “Se a ideia não é absurda, então não há esperança para ela”.
Ninguém garante que ele de fato tenha falado isso. No Google, há frases citadas com a certeza de que são de Einstein. Eis quatro: 1. “A imaginação é mais importante que o conhecimento”; 2. “Procure ser uma pessoa de valor, em vez de uma de sucesso. Sucesso é consequência”; 3. “É mais fácil desnaturar o plutônio do que o espírito maligno do homem”; 4. “Grandes espíritos sempre encontraram violenta oposição de mentes medíocres.”
Já as frases a seguir foram referidas por autores que escreveram sobre Einstein. Não há certeza de que são dele: 1. “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana”; 2. “Todo mundo é um gênio. Mas você viverá acreditando ser um idiota se julgar um peixe pela habilidade de escalar uma árvore”. Acrescento por minha conta uma terceira, que vi numa camisa: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará a ser a mesma”.
De qualquer forma, sabe-se pelas biografias que Einstein teve ideias bem extravagantes, como as da teoria da relatividade, óptica quântica, ondas gravitacionais, células fotovoltaicas, energia nuclear, sobre as quais é fácil falar e escrever, mas difícil entender. É necessário estudar muito. Mas elas estão hoje produzindo coisas importantes como cirurgias a lêiser (“laser”), GPS, placas para gerar energia solar, usinas nucleares para fins pacíficos e – também, infelizmente, – bomba atômica.
Imagino a revolução que seria se por exemplo o item 08 acima (mulher cortar cabelo curtinho e não usar esmalte) fosse adotado. Os salões de beleza praticamente seriam extintos, as cabeleireiras poderiam se dedicar à floricultura ou se tornarem influenciadoras internéticas; fábricas de cosméticos iriam à falência, etc. Se os itens 01 (propaganda de banana) e 03 (andar descalço na roça) fossem adotados, as crianças não ficariam tão doentes e jamais teriam alergia. O 05 (diminuir as palavras faladas no dia) e o 07 (barriga mais vazia do que cheia) promoveriam uma revolução na saúde e comunicação. Provavelmente, 80% dos hospitais seriam fechados. Enfermeiros/as e médicos/as poderiam se dedicar à agricultura orgânica e as reuniões dos deputados seriam mais civilizadas.
Quanto ao 06 (trabalhar sem pensar em dinheiro), seria catastrófico para o capitalismo, mas as pessoas viveriam mais felizes. Desapareceriam as doenças mentais, e clínicas psicológicas poderiam se transformar em centros de sadia conversa fiada. O 04 (não ensinar nada para as crianças) decretaria a falência da pedagogia e libertaria a juventude em geral do autismo, stress e demências precoces. Quanto ao 02 (usar mais a mão esquerda), acabaria de vez com a polarização direita e esquerda, uma vez que ambas as mãos passariam a ser valorizadas.
Quando meu pai me ensinava “você colhe o que planta”, eu entendia mais ou menos ao pé da letra. Plantamos milho, dá milho; mandioca, dá mandioca. Simples assim. Para minha curta percepção de infância, bastava.
Até o dia em que fui plantar mandioca e plantei a própria. Ele deu boas risadas. Mas aproveitou para me ensinar que a rama era a “semente” que produziria mandioca. Para o milho, era só escolher os melhores grãos. Aprendi que precisava “selecionar”. Boas sementes, bons frutos. O raciocínio amadureceu e se estendeu não só a outros grãos e raízes mas também a animais silvícolas, domésticos e humanos.
Aprendi a aplicar a lição a assuntos mais abstratos, incluindo ditados como este: “quem semeia vento colhe tempestade”. Não é tão simples como semear milho, mandioca, alho e batata. Semear vento? Colher tempestade? Ao pé da letra? Sim, tem a ver uma coisa com outra: ventania vira tempestade; tempestade tem ventania. Dá para entender.
Mas entenderemos melhor se considerarmos as palavras como linguagem figurada, maneira de dizer. “Tempestade” significa coisa ruim, raiva, ódio, e, no extremo, doença, guerra, morte. Alguém deseja isso? Em princípio, não! Pelo menos, as “chamadas” pessoas do bem. Mas ouvimos dizer que existem as do mal, que gostam de pancadaria e matança.
Por exemplo: como classificar a pessoa que matou em abril 4 crianças em Santa Catarina? Pode-se dizer que é “do bem”? Difícil! Será “do mal”? Não é fácil responder. É possível – e até provável – que familiares, amigos ou partidários políticos não achem que ela seja “do mal”. Talvez tenha agindo em benefício da “pátria” e mesmo em nome de Deus. Porque, por incrível que pareça, há religiões que admitem “guerras santas” contra infiéis. E “passam pano” para sacrifícios de inocentes, porque uma bomba jogada de um avião mata também criancinhas no meio dos “inimigos”.
Voltemos à lição de meu pai: colher o que planta. Estamos colhendo violências, atentados, assassinatos, ameaças de morte para 20 de abril. Como entender que jovens, de boas famílias “, se assumam como fãs de Hitler? O que pais, professores, redes sociais, tevês estão semeando em suas mentes e corações para colhermos tais frutos?
Outro exemplo: é sabido que potências investem milhões em armas. São sementes. “Empresários da indústria bélica”, donos de CACs, os da bancada da bala têm interesse na mercadoria. Uma guerra é um bom mercado. Seriam eles “do mal”? E os funcionários dessas indústrias são do bem? Afinal, estão “simplesmente” trabalhando, ganhando seus salários para sustentar a família, educar os filhos e – por que não? – ajudar órfãos em obras de caridade. Um certo tipo de semente foi plantado em suas pessoas para aceitarem essa forma de ganhar a vida.
Vamos concluir com o exemplo da dona Zuzita. Às vezes, jogando verde para os filhosnetosbisnetos que a rodeiam, todos querendo agradá-la, saber o que precisa, ou só olhando para ela como a “coisa” mais valiosa do mundo, diz baixinho: meu filho, estou precisando ir embora, dou muito trabalho para vocês! Ela colhe o maduro: trabalho, mãe? A senhora está colhendo o que plantou. E merece muito mais! Por isso peço a bênção da dona Zuzita para espalharmos boas sementes. Como ela fez ao criar os filhos, alfabetizar seus alunos e receber em casa os amigos dos filhos.
E bênção, meu pai, que me ensinou!
Há uma historinha a respeito.
Passeava pela floresta um bando de pererecas, saltitantes e tagarelas. Súbito, cinco despencaram num buraco. As outras chegaram à boca do poço gritando: subam pelas beiradas! Tentaram, desesperadas, por uma hora ou mais, as de baixo se esforçando, as de cima incentivando. Chegou um momento em que aquelas desistiram, e estas mudaram o discurso: não vai dar, desistam! Cansadas, ficaram quietinhas. Exceto uma! Que continuou e se esforçou tanto que, de repente, vupt, ela atingiu a borda e saltou para o chão seguro da floresta. Foi uma festa, todas perguntando como foi. Mas a rãzinha não respondia. Até que descobriram: ela era (ou fingiu de) surda!
Moral da história: escutar os outros deixa no buraco 80% da população! Os 20% que não escutam se salvam.
Claro, estamos usando linguagem figurada. A própria historinha é figurada. Não é possível contestá-la, dizer que é mentira ou feique. É inventada com o propósito de transmitir uma ideia, sem pretensão de ser “a verdade dos fatos”. Assim, pode-se dizer que ela é mais poderosa que a linguagem jornalística, que esta sim tem compromisso com os fatos. Uma empresa de rádio, jornal ou tevê para ter “credibilidade” precisa “zelar pelo bom nome”, deixando bem separadinhos os “fatos” e as “opiniões”. Se o ouvinte/ leitor/ telespectador duvidar, pode checar o noticiado com o real.
Mas na “mídia moderna”, que inclui a “hegemônica” (globo, sbt, etc.) e todos os canais individuais no iutube, feice, instagram, zape, tornou-se impossível separar o acontecido do inventado. Solta-se, por exemplo, a “notícia”: hoje pela manhã foi visto nos céus de São Gotardo um boi voando. A frase tem todas as marcas do jornalismo profissional. Pode-se até “provar o fato” fotografando um boi de um ângulo tal que ele “parece” voar. E chamar a polícia para interrogar o “repórter”: verdade? Ele pode negar, dizer que foi equívoco, já até “apagou” do seu canal. Sim, mas a “notícia” continua nas cabeças de todas as rãzinhas que escutaram, e ficam olhando para o céu procurando o boi. Outros blogues e saites replicam tanto que a mentira se torna fato histórico.
Até São Tomás de Aquino (segundo me “contaram” os padres do seminário onde estudei) caiu nessa feique. Seus colegas resolveram fazer uma “zoação” com ele. Combinaram! Um desceu correndo a escadaria da biblioteca onde ele lia, gritando: “vem, Tomás, tem um boi voando lá fora!” Ele, doutor da igreja, saiu feito louco para conferir. Claro, não viu nada, e os monges “não tão cultos” fizeram farra às custas dele. Mas receberam o troco. O sábio deu neles um “tapa com luva de pelica”, como se diz na gíria: “Acho mais fácil acreditar que um boi voa do que um monge mente”. É boa a lição, mas infelizmente atinge só 20% das cabeças!
O episódio merece análise. Tomás acreditou? Conhecendo os colegas que tinha, pode-se supor que não. Inteligente e rápido na interpretação de texto, entrou na “jogada”, fingiu acreditar, olhou, fez cara de decepção, e, ao ver os “zoadores” se divertindo às suas custas, sapecou-lhes a lição de moral. Que vergonha, um monge mentiroso!
Donde podemos concluir que a mentira, modernamente chamada de “feique”, é antiga e engana até santo. A diferença para hoje é que ela foi potencializada pela internet com cada iutúber podendo livremente inventar suas “notícias”, compartilhá-las mil vezes, e, na hora que a polícia chega, deletá-las da tela (mas não das cabeças que já as “curtiram”). Assim vai-se formando uma população de crentes em bois voando. Estima-se que 80%! O que não é de todo mal, porque muitas “notícias figuradas” são bem divertidas. Outras, porém, destroem reputações e almas! A vantagem é que, querendo, todos podem ficar surdos (ou fingir de).
No século passado, fui surpreendido com alguém me chamando de “bicho”. Não gostei. Quando identifiquei o carioca cabeludo meu amigo Henrique, vindo com a cara mais alegre do mundo me abraçar, compreendi que “bicho” era gíria amistosa que ele trazia da ex-capital. Ah, perfeitamente, bicho pra cá pra lá e ficamos irmanados. Agora, século XXI, outra novidade: essa linda palavra “gratidão”, acompanhada por leve reverência com a cabeça e mãos em atitude de reza. Da segunda, terceira, enésima vez, vi que se tratava, de gíria talvez, mas sobretudo de uma nova maneira de encarar o mundo.
Ora, pessoas gratas, reconhecidas, que coisa mais boa!
Isso me deu um “clique”, tipo aquele do apóstolo Paulo quando caiu do cavalo há 2.000 anos. Não é de ver, pensei, que a gente tem mais é que agradecer mesmo? Pois vou tomar a liberdade de contar o que me sucedeu em recente viagem.
Saio de Minas para São Paulo, 800 km, com 20 reais no bolso. Lá me hospedo, ando de metrô e ônibus (sem pagar), úber (a netinha pagou no cartão), almoço, lancho, janto, visito lugares, praças, pinacoteca, masp, passeio pela Paulista, Faria Lima, vou ao Museu do Esporte no Pacaembu, etc. etc. E regresso de ônibus Executivo. Já em meu assento, pronto para partir, entra alguém pedindo pelamordedeus me ajudem, estou com mulher e filho precisando voltar para o Nordeste e sem dinheiro pra passagem. Pego a nota de 20 e a dou ao pai de família, que junta as mãos e reverente fala “gratidão”.
Imagine quantas mãos postas devo erguer para quem me hospedou, alimentou, pagou tudo, sorvetes e sobremesas, e me levou pra baixo pra cima, me deu atenção, conversamos, debatemos, rimos! Imaginou?
Embalado por esse sentimento, pausei para dar um balanço em quanta coisa agradecer. A UFMG, que formou meus filhos. Não paguei matrícula, mensalidade, tiveram bandejão a preço simbólico, tornaram-se aptos a trabalhar e pagar suas contas. A escola primária, que até merenda lhes deu. Teria condições de pagar o particular? Aluguel, água, luz, mercado, condução já eram difíceis. Portanto: gratidão à Escola Afonso Pena, Oscar Prados, São Pio X, CESO, UFMG. E a quem teve a feliz ideia de colocar a educação pública no orçamento. Gratidão ao Posto de Saúde, que me vacinou 4 vezes contra covid, para não falar na pólio, meningite, sarampo, varíola, tuberculose, etc. Ao SUS, que me ajudou a restaurar os pulsos quebrados, tirando chapa, colocando gesso, fazendo os “procedimentos” necessários. Não paguei nada. No particular, seria no mínimo penoso!
Por último, aos contribuintes, porque deles vem o dinheiro.
Boa moda, portanto, esta da “gratidão”. Quanta coisa agradecer: a mesa servida com comida gostosa, a quem fez, plantou, cultivou, carregou, embalou. Claro que pagamos, mas a simples atitude de reconhecer torna produtos e relações mais doces e saudáveis. Agradecer a quem limpa, lava, guarda na gaveta e você acha quando procura.
Essa “linha filosófica” que o pensamento adota desencadeia uma bomba atômica de gratidões. Gratidão pela luz, estrada, carro, internet. E o sol? Sem ele, mofamos. As plantas não vingam, podemos morrer de frio mesmo agasalhados. E a chuva? Sem ela, podemos irrigar, mas por pouco tempo. Faltará água. De repente, descobrimos que a Natureza toda nos acolhe. Até os bichinhos, de alguma forma desconhecida, nos ajudam.
Uma coisa é certa: quem agradece vive em estado de graça, e jamais – JAMAIS – irá pegar uma espingarda e matar sete pessoas porque perdeu no jogo de sinuca. Vou trocar “obrigado eu” por “gratidão” (de verdade!). Gratidão a todos por lerem o DAQUI.
Pautas que rolam nas redes, rádios, tevês, conversas de boteco e cozinha neste início de 2023: vai ser preso? quem financia? e os yanomamis?
Um jornal se justifica pelas pautas que registra para o presente e o futuro. O DAQUI dará ao leitor, em 2120, ideia do que brasileiros/as conversaram nos anos 2020/1/2. Listei 102 pautas, procurando ser neutro, nem à direita nem à esquerda. Para aproveitar o espaço, separo cada uma por / (barra) em ordem alfabética. Comentei só algumas (em negrito). As demais ficam por conta do/a leitor/a.
Aécio – fora da pauta desde que perdeu eleição para presidente em 2014 / Anderson Torres – ministro da Justiça, secretário de segurança do DF, preso em janeiro 2023 / André Mendonça – ministro terrivelmente evangélico / Antipetismo – movimento contra o PT, disseminado pela “grande” mídia / Aras – Procurador Geral da República, acusado de improbidade por não denunciar o presidente / Através do voto não muda nada –fdb* / Auxílio emergencial / Bananinha - apelido do Zero 3 / Bandido bom é bandido morto / Bem contra o Mal / Bolsonaro – presidente de 2019 a 2022 / Brasil acima de tudo deus acima de todos / Cadê o Queirós? / Cala a boca – fdb* / Capitólio / Carla Zambeli / Carluxo – Carlos Bolsonaro / Cercadinho / Comunismo não / Coronel Cid / Corrupção / Covid / Culpa do PT / Dalagnol / Descondenado - Lula / Deus Pátria Família Liberdade / Dilma / Direitos humanos / Estado mínimo / Eu dei uma fraquejada- fdb* / Eu não sou coveiro / Eu sou favorável à tortura – fdb* / Eu vim de graça – eleitor de Bolsonaro gritando / Ex-presidiário - Lula / Falar que passa fome no Brasil é mentira / Fascista / Faz arminha / Faz o L / Financiadores / Flávio – Zero 1 / Flávio Dino / Fraude nas urnas / Generais com Bolsonaro: Arruda, Braga Neto, Heleno, Mourão, Ramos, Vilas Boas / Genocida / George Washington – terrorista, não o estadunidense / Glenn Greenwald / Globolixo / Golpe / Guerra civil / Ibanêis / Ideologia de gênero / impeachment / infiltrado da esquerda / intervenção federal / intervenção psiquiátrica / Jair Renan / Janaína Paschoal / Janja / Jetskiata / Jovem Pan / Kássio com k / Kit gay / Lavajato / Lira / Lula – presidente em 2022 / Lula ladrão seu lugar é na prisão / Mamadeira de piroca / Marcelo Arruda / Matar 30 mil / Micheque – apelido de Michele / Michele – 1ª. dama / Minha bandeira jamais será vermelha / Minorias têm que se curvar às maiorias – fdb* / Mito – Bolsonaro para seus fãs / Môro / Motociata / Naine - Lula / Não sobe a rampa / 8 de janeiro / Patriota / Patriotário / Paulo Guedes / Pela memória do coronel Brilhante Ustra / PGR / Poluição ambiental: cocô dia sim dia não resolve – fdb* / Povo armado jamais será escravizado / PRF / Privatizar / Questão ambiental é pra veganos – fdb* / Rachadinha / Sem anistia / 7 arrobas / Silvinei Marques / SOS Forças Armadas / STF / Tá na hora do Jair já ir embora / Têmer / Tuíte / Vai pra Cuba, Venezuela / Vazajato / Voto auditável / Waldemar Costa Neto / Xandão / Zero 1, 2, 3, 4 – filhos do Bolsonaro.
Se a humanidade sobreviver à ignorância armamentista, daqui a 100 anos saberá 102 pautas (entre outras) que separavam o Bem do Mal.
* fdb = frase de Bolsonaro
Vamos votar. O ideal seria ir como se fôssemos a uma festa. Mas não é assim. Ânimos em alta, como numa final de Cruzeiro e Atlético nos tempos mais gloriosos. Dois lados: um quer ganhar, o outro também.
Uma partida de futebol envolve interesses bem menores que os de uma eleição para presidente da República. Mesmo no futebol, há interesses de milhões de reais: quem ganha leva bolada maior! Além do prestígio. Os vitoriosos ficam alegres, mas nada impede que os perdedores também. Podem bebemorar juntos, uns rindo, outros não, mas na paz.
Na política, os interesses em jogo são ZILHÕES. Difícil calcular. Envolve condições de trabalho, escola, saúde, segurança alimentar, de ir e vir sem ser assaltado, previdência para idosos. Palavrinhas que os candidatos usam para pedir voto. Assunto para outro artigo. Neste quero só chamar a atenção para a HISTÓRIA DO VOTO.
Primeiramente não valia nada, nem existia. Dizem que os gregos o inventaram pelos 500 a.C. Era em praça pública. Imagine você gritando o nome do seu candidato e um “inimigo” te corrigindo com carabina na mão. Os romanos (200 a.C.) inventaram a urna: um avanço. Passamos por 1000 anos (500 a 1500) de uma Idade Média parada, com o Sol girando em volta da Terra, centro do mundo. A Igreja comandava, botava ordem com dogmas. Discordou? Fogueira! Não precisava eleger ninguém.
Vamos saltar para 1600. Surgiu a crença do “DIREITO DIVINO”. O governante nascia com sangue azul, poderes absolutos, incontestáveis e hereditários. Ele fazia a lei, executava e julgava, com apoio do clero e da nobreza. Em troca, padres e barões não pagavam imposto, tinham empregos garantidos, privilégios, mordomias. Serviços e despesas por conta da ralé. E falavam: Deus autorizou!
Foi preciso a Revolução Francesa (1789-1792) para acabar com essa (para nós hoje) pouca vergonha. Vê lá se Deus, com tanto serviço e tendo nos dado o “livre arbítrio”, iria assumir essa responsabilidade. Isso é problema nosso, do ser humano. Os franceses inventaram o voto moderno cortando milhares de cabeças de nobres e reis para implantarem a “república”. Primeiro era voto censitário. Tinha que comprovar renda. No Brasil, pela Constituição Imperial de 1824, só votava homem de 25 anos com renda anual de 100.000 réis. Se quisesse ser deputado ou senador, 400.000 réis. (Mudou?)
Em 1891, com a Constituição republicana, acabou o voto censitário, mas mulheres e analfabetos ficavam fora. Mais da metade da população. Mesmo assim, os coronéis amarravam o pescoço do eleitor com um cabresto, conduziam a um curralzinho, davam sanduíche e cachaça e ganhavam com 90% dos votos.
Em 1932 foi aprovado o voto feminino a partir de 21 anos. E não foi de graça! Os homens não estavam interessados. O argumento principal era: a expansão dos direitos femininos abala a instituição da família (alguma semelhança hoje?). Bertha Lutz lutou muito. Para dar um exemplo trágico: Emily Davison atirou-se sob as patas do cavalo do rei Jorge V e morreu! Em 1913. Era uma sufragista da Inglaterra lutando pelo direito de votar.
A luta dura mais de século, desde 1893, quando a Nova Zelândia aprovou o voto feminino (1º. país a fazê-lo) até a Arábia Saudita em 2015 (último). No Brasil, só em 1988 o voto se tornou universal, sem restrição de gênero, raça, escolaridade, condição financeira.
Por que o voto é tão importante? Boa pergunta! Antes não existia. Inventado, eram pouquíssimos os eleitores. Ampliado, começou a valer um par de botina, uma nota de cem. Hoje? Vale auxílio emergencial de 600, vale-gás, gasolina mais barata, etc. Estas eleições estão sendo uma grande escola para escancarar o valor do voto.
Quem sabe avaliar conclui: não tem preço. Qual o preço de seu filho? De sua honra? Da sua vida? O voto deve ser incluído nessas categorias de artigo. O eleitor tem mais chance de fazer uma escolha melhor para ele e para a sociedade (tá no Gugle).
Qual você prefere: estar errado ou iludido? Prefiro estar errado e explico contando um caso acontecido na cidade de Chicago.
Um disco voador deixou de pousar no quintal da casa de Dorothy Martin, onde adeptos da “Fraternidade dos 7 Raios” esperavam no maior medo serem salvos de um dilúvio pior que o da Bíblia. Dorothy tinha recebido mensagem de um ET do Planeta Clarion de que no dia 21 de dezembro de 1954 a Terra seria arrasada por um dilúvio. Mas quem acreditasse, com muita fé, seria resgatado por um Disco Voador.
Só que o Disco não veio. Decepção? Nada! Dorothy contou, no dia seguinte, que recebeu nova mensagem: a energia do grupo foi tão forte que espantou o dilúvio talvez para Marte ou Saturno. A Terra foi salva pela fé da turma (que cabia num quintal de casa) e a Fraternidade dos 7 Raios dobrou o número de fiéis. Em vez de cair em descrédito, a profetiza virou Mito. Ninguém pensou que pudesse ser mentira ou feiqueniu.
Isso que você acabou de ler não é invenção minha. Está no livro de Leon Festinger “When prophecy fails” (“Quando a profecia falha”), publicado em 1956 (depois do milagre). João Cezar de Castro Rocha, em artigo intitulado “Brasil é laboratório de criação de realidade paralela”, retoma o caso para explicar a diferença entre ilusão e erro.
A ilusão tem a ver com crenças em doideiras, fantasias, pesadelos. É um estado de sonambulismo. Não dá para comprovar, testar, de maneira que não tem como saber se tem base na realidade. Ou você crê (e vai para o quintal da Dorothy esperar o disco voador) ou não crê e fica em casa vendo a previsão do tempo.
O erro é diferente. É possível verificar se é verdadeiro ou falso. Exemplo: você escreve num papelzinho o endereço do amigo que mora numa cidade aonde nunca foi. Pega um táxi, chega ao lugar, toca a campainha, aparece um desconhecido. Não é o amigo. Endereço errado. Como fazer? Aceitar a realidade, informar-se e encontrar o endereço certo. Foi um erro, pode ser corrigido.
Na vida, estamos sempre lidando com erros: chamar um Zé por Pedro, ele te corrige: meu nome é Zé; dizer que 2 mais 3 são 7 – a professora corrige: 5; botar açúcar em vez de sal; apertar a tecla do “delete” quando queria salvar; colocar o despertador para as 3 quando queria 15. Erros são verificáveis e corrigíveis.
A ilusão é parenta do sonho, do pesadelo! Dorothy fala: vai ter dilúvio. Não teve. De onde ela tirou a informação? De um ET do planeta Clarion. Qual? Como? De que distância? Onde se localiza no Universo? Tem jeito de comprovar? Quem acredita corre para se salvar no quintal da Dorothy ou se arrisca a morrer afogado. Qual você prefere? Morrer afogado? Na dúvida, melhor conferir, fazer um esforço – como fez o Leon Festinger – e esperar o disco voador. Já é uma doideirinha, o ser humano é inclinado a fantasias. Mas continuar nessa acreditação sem fim? A energia da turma salvou a Terra?
Crenças servem para manter a coesão do grupo, como explica Yuval Harari no livro “Sapiens”. Crenças em símbolos, mitos, dogmas mantêm milhões de pessoas nos quintais, reunidas em torno de Dorothys e Salvadores da Pátria. Pode-se tornar histeria perigosa, como aconteceu com os 918 adeptos do Templo do Povo, de Jim Jones, na Guiana, no dia 18 de novembro de 1978, que praticaram um suicídio coletivo.
Para o erro, a solução é corrigir. Para a ilusão, é acordar: um balde d´água fria no dorminhoco assusta, mas acorda.
(Este texto para o jornal DAQUI tem o propósito de registrar o momento histórico que vivemos no Brasil de 2022 em torno da querela das urnas eletrônicas.)
Pensar com a própria cabeça é difícil, por uma razão simples: mal nasce, o bebê é rodeado por adultos aflitos que não lhe dão trégua. Como pensam com cabeças alheias, acham que o filho deve ser igual. E tem início o que entendem por educação.
Primeiro lhe passam a língua, o montão de palavras e frases feitas – repertório limitado que ouviram, decoraram, acumularam. Junto com gestos, trejeitos, tons de voz que podem variar do gritado ao sussurrado, do estridente ao suave. Daí os tiques e sotaques dos quais é difícil se livrar. Com a linguagem – espécie de copo, recipiente onde serão colocados os conteúdos – vai junto aquilo que a criança será: ideias, opiniões, ideologias, preferências que os adultos em volta lhe enfiaram na cuca.
Cada um tem os adultos que a sorte lhe deu. Pode ser papai e mamãe, e aí seria Sorte Grande porque – por instintos que todo animal tem para proteger suas crias – pais e mães têm todo o interesse em proteger filhos contra estupradores de corpo e alma. Mas pode ser alguém com outros intuitos: a babá, o vizinho da mesma idade ou mais velho, e – graças às tecnologias – faustões, ratinhos, filmes, marqueteiros.
E os especialistas! Que aparecem na idade marcada, legalizados pelo sistema para formar ou deformar as mentes dos educandos, coisa avassaladora bem explicada por Pink Floyd em “The Wall” (O Muro); por James Joyce em “Retrato do artista quando jovem”; e, mais recente, pela Netflix: “Rezar e Obedecer” e “Colônia Dignidade”. Desse material, concluí que especialistas surgem como certos tipos de professores e catequistas, os quais – com o poderoso método “copiar-repetir-decorar” – arrancam pela raiz a capacidade inata de pensar que todos têm.
Desculpe usar a artilharia pesada do parágrafo acima (em negrito). Fiz isso para impactar o leitor e convidá-lo a conferir. Para não desanimá-lo, conto a historinha abaixo.
Aconteceu há séculos. O professor convidou todos do povoado para uma festa. Estranharam! O que deu na cabeça dele, que nunca foi de festas? Celebrar sua vida feliz de 100 anos? Não! Homenagear seu Mestre, morto há tempos. Surpresa maior! A vida inteira o Senhor nos ensinou a pensar com a própria cabeça e andar nas próprias pernas! Agora nos diz que seguia um Mestre!? Não é contradição? Do alto de seus 99 anos, ele explicou: é um paradoxo; segui o Mestre que me ensinou a pensar com a minha cabeça e andar nas minhas pernas. Aprendi a não seguir ninguém, só a mim mesmo.
Parece difícil, e às vezes é (até impossível), porque não faltam os alfaiates safados da história do rei vaidoso para inventar roupas invisíveis e explorar a burrice humana dizendo: idiota não consegue ver a roupa! Você, para dar de inteligente, vê! O rei peladão e você jura que não: que ele está vestido! Idiota não admite a própria burrice.
Já o inteligente, sim: é possível algum safado ter lhe contado mentira. Prefere verificar por si mesmo: olhar bem, escutar, cheirar, lamber, apalpar. As percepções, naturalmente, vão para o intelecto. “Nada está na mente que não passe antes pelos sentidos”, diz o filósofo. Coisa antiga, boa e fácil! Dá prazer e alegria. Evita brigas.
Mas aí entra a educação ministrada pelos aflitos (em minoria, felizmente, mas poderosos), entupindo os intelectos de ideias, ideologias, convicções, opiniões, decorebas. A realidade vira mundo virtual e paralelo de doideira total. Prefiro ficar com o poeta Fernando Pessoa: “O que penso eu do Mundo? Sei lá! Se eu adoecesse pensaria nisso”.