Rui Castro, jornalista da Folha SP, notou em 2010 que a rapaziada carioca começava a usar bonés com aba pra frente, tampando testa, nariz e rosto. Correto: não lhe parecia que nucas precisassem de proteção contra o sol. Pesquisando, descobriu que a moda do boné invertido era macaqueação do que se fazia nos EUA. O pessoal lá começou a usar pra trás, nós também. Agora não usa mais, nós também não. O general Juracy Magalhães dizia em 1964: bom para eles, bom pra nós.
E de fato imitamos sem dó nem vergonha. Primeiro imitamos os europeus. Está aí para provar até hoje a moda do terno e gravata, em pleno sertão calorento. Claro, para quem pode pagar a “casimira inglesa”! Bom para alfaiates quando não existia roupa feita, como, em São Gotardo: José Maria Araújo, Samaria, Tião Couto, Jair Alfaiate, Valtinho. Conta a história que, nos 1950, um condutor de carro-de-boi vinha a pé guiando seus bois do Cruvinel até a Praça São Sebastião de terno e gravata.
Imitamos a música, os quadrinhos, o chiclete, os cowboys, a calça Lee, a monocultura, as supermáquinas, etc. Ultimamente, a mania do patriotismo, com bandeira nas casas, carros, e hino nacional cantado com mão direita no peito, também vem de lá. Nada contra, é até bonito. A base do aprendizado é a imitação. A língua, por exemplo, ferramenta a mais poderosa já inventada, é aprendida ouvindo mamãe e papai, repetindo repetindo até decorar, seja português, alemão, chinês, russo. E nos tornamos “reis do futebol” (5 mundiais) imitando o “football” inglês, falando back, goal, corner, half, hands, que depois viraram beque, gol, escanteio, lateral, mão.
Mas para Rui Castro o que importa, na história do boné pra trás ou pra frente, é a identidade (“Identidade via boné”). Em linguagem do afamado Nélson Rodrigues, e juntando os dois, o perigo da macaqueação é contrair o complexo de vira-lata: sentimento de inferioridade. Como me valorizo menos, imito aquele que valorizo mais! Ora, nada como uma viagem ao exterior para botar isso em pratos limpos. Foi o que fez Oswald de Andrade, que jovens de 2º. grau estudam nas aulas de Literatura. Foi preciso ele viajar para a Europa para, de lá, descobrir o Brasil. E que não havia motivo nenhum para nos julgarmos inferiores.
Sim, em muitos aspectos, talvez: ruas limpas? prédios altíssimos? túneis? pontes? torres? paisagens? estradas sem buracos? Tudo isso a gente tem, e não precisa ir longe para constatar. Aqui mesmo entre nós, no Centro e nos bairros, em Tiros e Matutina, na avenida Faria Lima em SP, túneis no RJ, ponte Rio-Niterói e as paisagens lindíssimas em nosso rio Funchal descendo rumo ao Indaiá e na estrada da Fragata ao Quartel São João.
Claro, temos ruas esburacadas, prédios aos cacos, áreas com erosão, rios poluídos, barulho infernal, mas lá fora também tem porcarias, até em países de “1º. mundo". Às vezes, menos visíveis, mas observando bem vamos encontrar frenéticos, obésos, hiperativos, ansiosos, carrancudos, gente que não dá risada, séria demais para nosso gosto.
Rola por aí nas redes frase de outro famoso, Domenico de Masi, da Universidade La Sapienza, em Roma – autor de “O ócio criativo” e de certa forma terror do capitalismo que ama trabalhar 24 horas/dia, 365 dias/ano, até o organismo pifar: nem alegre nem triste, apenas fim! Domenico diz que o brasileiro é o povo que mais ri no mundo. Taí uma coisa de que se orgulhar, excelente antídoto contra o complexo do vira-lata. E elogio para elevar nosso moral às alturas.
Para terminar, mais um famoso: Darci Ribeiro, que escreveu “O povo brasileiro”. Nossa identidade é plural, do brasil caipira, caboclo, sertanejo, sulino e crioulo, mas também português, japonês, italiano, alemão, turco, preto, branco, amarelo, dando a risada que impressionou o Domenico do “bem vindo o ócio entre nós”. Temos mais é que sentir orgulho do que somos. Imitando, se necessário, mas sem achar que somos menos ou mais! E procurando melhorar na medida do possível – ao nosso jeito.