Mentirinhas como essas a que Ariano Suassuna se refere são aceitáveis, fazem parte do dia-a-dia das pessoas, eu incluído. Difícil ver alguém atirando alguma pedra ao ouvir: atire a primeira pedra quem nunca mentiu! Pode ser que o Zé daquele concurso de “o maior mentiroso”, que, ao fazerem a pergunta, única do concurso: “apresente-se quem nunca mentiu”, o Zé apresentou-se e ganhou! Pode ser que este Zé, para não fugir ao costume, atire alguma pedrinha. Claro, não para machucar: de mentirinha também.
Por que falar de “mentiras” num artigo de jornal? Simples: “jornal” vem do latim “diurnalis”, diário, relativo ao dia, hoje, atual. E nada tão atual quanto as mentiras, agora com nome chique de “fakes", que sem pedir licença aportuguesei para “feiques”, como nossos ancestrais fizeram com o futebol, que era “football”. Ninguém mais estranha.
Na verdade, estamos ultimamente mergulhados num mar de mentiras que talvez explique o incremento fantástico de clínicas psicológicas para tratar nossas confusões. E não são mentiras do tipo Suassuna, que fazem rir, mas daquelas que provocam sofrimento, choro, até morte.
Para exemplificar: vai o Ministro à Itália com a família e é agredido por um trio: marido, esposa e genro, um dos quais dá um tapa no filho do Ministro. Esta é a versão do agredido. Mas o agressor dá outra versão: ninguém agrediu, não houve tapa. Duas versões para um fato. Jornalista prudente não afirma: “agredido”, mas “suposto agredido”, “suposto agressor”. Todo cuidado é pouco! Sabe como são as dúzias de processos feiques!?
Experimentei verificar, não na Itália, mas em São Gotardo mesmo, nas ruas e botecos, a compreensão do fato. Quem fala a verdade? Depois de ouvir monte de gente, concluí que é impossível saber. Ainda mais na política, dizem com toda a candura, em que tudo é uma confusão (feita por eles mesmos). Falam, gritam, xingam, cada qual puxando para si a razão.
Inspirado neste “para si”, resolvi aplicar a medida à minha própria pessoa. Já fui xingado de traficante, corrupto, pernicioso, doido. Não de olho no olho, mas por trás, conforme prefere Suassuna. Pelo menos o falante escapa de um soco, algo do tipo. O mal-falado não tem como se defender. Se for mentira? Tomei conhecimento muuuiiiito depois, quando os fuxicos haviam perdido a força e até o significado. Igual xingar árvore de fdp. Ela não reage por sua própria natureza de árvore e por não ser fdp. O epíteto de traficante rendeu desdobramentos: amigos se afastam, famílias impedem filhos de se aproximar. Para “provar” a maledicência, inventaram que eu passara dias debaixo de um mata-burro para fugir da polícia. Perdi emprego, vi filho com problemas na escola, tudo devido à má fama construída por gente que nem eu. Escapei de ser internado por doidice, salvo pelo gongo acionado por minha consorte.
Todos estamos sujeitos às feiques. Não é à toa que a Bíblia toca no assunto em Êxodo 20:16: não levantar falso testemunho. Em Efésios 4:25, Colossences 3:9, Provérbios 12:22, João 8:44, Salmos 101:7. E o Apocalipse 22:15 pega pesado ao associar o mentiroso com feiticeiros, adúlteros, homicidas e idólatras. Não entram no Céu. Seria de esperar que no mundo “cristão” não existissem mentirosos. Mas existem milhões. Salvemos os contadores de casos, pescadores, pinguços, seresteiros, frequentadores de botecos, e colocá-los à parte: estes entram no reino celestial. E também crianças levadas, alunos estressados, esposas de maridos violentos, que, com razão, se salvam com mentirinhas bem boladas.
Sobram os mentirosos bravos, mal intencionados, invejosos, cúpidos. Para estes, o dicionário registra mais de cem nomes para o que praticam, muitos bem esquisitos: alicantina, endrômina, gazopa, ladrado, lampana, maxambeta, moca. Outros bem conhecidos: artimanha, difamação, embuste, engodo, falcatrua, fraude, impostura, injúria, intriga, maledicência, mutreta, patifaria, perfídia, subterfúgio, tramóia, trapaça, velhacaria. O caso do Ministro e do trio deve, supostamente, encaixar-se aí. E o meu, talvez o seu, de muitos!