Liberdade de expressão - direito de manifestar opiniões e ideias sem medo de retaliação ou censura – é fundamental nas democracias. Está no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão, incluindo a de procurar, receber e transmitir informações e ideias”.
Esse direito não caiu dos céus. Foi conquista da maioria oprimida contra a minoria opressora. Busquemos na Antiguidade referência para melhor entender. Em Atenas, 400 a.C., escravos e mulheres faziam os serviços braçais. Isso permitia aos poucos “cidadãos” se dedicarem em tempo integral aos serviços intelectuais – e “nobres” – da política, espaço de manifestação de opiniões e ideias. Excluídos escravos, mulheres, prisioneiros e estrangeiros. Hoje ninguém contesta que estes tenham – também! – ideias e opiniões e possam politicar.
Nossa Constituição garante, no art. 5º. IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. E no art. 220, 2º: “É vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Evidente que haverá limites: quando, por exemplo, sob essa pretensa liberdade, atinge-se a honra, a dignidade, a democracia, ou se espalham discursos de ódio.
Vamos imaginar uma situação possível, colocada de forma caricata.
Posso falar?
- Sim, liberdade de expressão.
Você é ladrão. E vou dizer isso a todo mundo.
Imagine, leitor/a, que o “suposto” ladrão – um Zé Qualquer – more numa cidade de 40 mil habitantes e essa “informação” viralize. Ora, quem diria? Tão certinho, religioso! Perdeu minha confiança, no meu comércio agora, só no dinheiro. No meu, nem entra. Envolvido até o pescoço em roubalheiras! Agora só anda de caminhonetona. Tem fazenda no Norte cheia de gado, mansão, triplex, jetisqui, jatinho! Rapáis! Quem diria? O roubo compensa.
Passam anos. Zé Qualquer continua com o carrinho velho, mesma casa, trabalhando do mesmo jeito. O indivíduo que roubou, “dizem”, é outro Zé. Foi “equívoco”, por inveja, ódio, interesse eleitoreiro. Mas a fama ficou. Para sempre, porque o Zé morreu, deixou aos herdeiros casa barata, fusquinha e alguns hectares de chão. Mas só alguns parentes ficaram sabendo; e poucos amigos, que apenas confirmaram o que sempre souberam: tudo mentira.
O caricato chama a atenção. Estamos mergulhados em situações parecidas, com mil variações. O Zé Qualquer pode, por exemplo, ficar bravo e reagir com um murro. Mesmo aí há ao menos duas possibilidades: ele é ladrão, mas reagiu violento para “provar” sua inocência. Quer fechar logo a boca do fofoqueiro, evitar desdobramentos. Os que viram o murro testemunham que ele é honesto. Segunda possibilidade: Zé não é ladrão, sentiu-se difamado e reagiu em defesa da honra. Para encerrar – já que ficou mal falado – muda-se para longe com a família.
O caso ilustra a condição humana com “baixa tecnologia”. A acusação foi feita na rua, cara a cara, com poucas testemunhas. Mesmo assim, viralizou. Imagine com “alta tecnologia”: tevê, jornal, internet, iutube, telegram, feice, redes sociais, milhões de seguidores. Se a acusação fosse postada aí, coitado do Zé Qualquer. Se culpado, fez por merecer. Mesmo assim, seria mais cristão chamá-lo, conversar, explicar e tal. Talvez voltasse mais fácil ao caminho “do bem”.
E se for inocente? Zé nunca roubou. Mas seu nome cai nessa malha internética, turbinada, como ladrão, asqueroso, satanás! E se o caso for à justiça, ele condenado em todas as instâncias exceto na última? Ninguém vai saber, porque a mancha ficou, impagável, na cabeça de milhões. Pior: ficou nos corações, humores e fígados. Não se apaga mais. Ah, Zé Qualquer é ladrão! Se quiser se candidatar, ninguém votará nele. Não se elege para nada.
Daí a pergunta: regula as redes sociais? Ou deixa à vontade a “liberdade de expressão”? Imagine essa ferramenta com um moleque (não é idade, mas falta de responsabilidade), que fala e desfala, acusa sem provas, lacra, arranja votos e se elege chefe, governador, deputado. Até senador - por incríveis 8 anos!