“Rótulo”, segundo o dicionário (adaptado), é “uma peça (de madeira, papel, metal) com alguma inscrição pertinente à coisa em que é pregada”. Em linguagem fácil: o que se escreve ou desenha num objeto para ajudar a esclarecer o que tem ali. Por exemplo: uma garrafa de cachaça. Escreve-se lá: “51”, “Mineira”, “Pereirinha”, “Garciana”. O cliente sabe de onde veio, e se é conhecedor vai fazer a escolha que melhor lhe sabe ao paladar. (“sabe” aí é de sabor, gôsto: que ele mais gosta.) Rolando Boldrin, pesquisador de boas anedotas do nosso folclore, conta a de um “especialista em cachaça”.
Para o dono do boteco, o indivíduo chegava a ser chato. Tudo ele conhecia: bebia uma, sem ver o RÓTULO, e dizia: esta é de Pernambuco, esta é de Salinas Minas Gerais, esta é de São Gotardo ... Pior é que não errava! Aí o botequeiro resolveu fazer o contador de prosa passar vergonha. Pegou uma garrafa, lavou e encheu com água cristalina. O fulano chegou, bar cheio, todos já sabendo da tramóia: na garrafa SEM RÓTULO tinha água. O dono do bar desafiou: quero ver você adivinhar que pinga é essa. Põe aí, ele falou. O botequeiro pôs uma boa dose. O “especialista” pegou, cheirou, rodou o copo e pá! virou na cara. A turma olhando. O sabidão bochechou, salivou, abriu e fechou a boca, e falou: uai! essa tá difícil! Olhou o pessoal com cara de riso, disfarçando, e mandou: põe outra! Lá foi mais uma talagada. Ele fez os mesmos gestos, trejeitos, e vapt! virou na güela!... Idem! Epa, num tô sabendo! O pessoal, porém - que sabia! –, caiu na risada, o botequeiro mais ainda, e, para humilhar bem, falou: ô seu besta, isso é água! E o especialista: uai, isso que é água?
Mas interessa aqui é a questão do RÓTULO. Se tivesse rotulado “ÁGUA”, ele não teria passado vergonha. Beberia sabendo que era água e ponto final. Conta-se de um experimento “científico”: colocaram vinho, o mesmo, em duas garrafas com RÓTULOS diferentes, numa escrito “Vinho do Porto” e o preço de 149,90; noutra “Sangue de Boi” e o preço de 29,99. Convidadas três pessoas para “experimentar” – o MESMO vinho! –, em duas taças, uma para cada garrafa, elas experimentaram, degustaram e avaliaram: TODAS disseram que o vinho de 149,90 era MUITO superior!
Conclusão: o RÓTULO influencia o comportamento. Significa que ele é IMPORTANTE DEMAIS! Espera-se que para cada produto coloque-se um rótulo VERDADEIRO. Se é pinga é pinga, se é água é água. O rótulo ajuda quem o vê a se orientar: se compra ou não, se é o que deseja ou não.
RÓTULOS em objetos é uma coisa: numa garrafa de suco, roupa de marca, um carro, geladeira, livro. Imagine você comprar um livro com o rótulo: RECEITAS DA VOVÓ, e quando o leva para casa e abre para fazer um bolo encontra uma “HISTÓRIA DE TERROR”! Imaginou? É o que acontece quando o RÓTULO É FALSO, ou FEIQUE! (ou fake). Em palavra antiga: é MENTIRA!
Ora, a situação acima, que serve como ILUSTRAÇÃO, é grave, porque você pode encontrar isso em TODOS OS OBJETOS: a pinga pode ser água, o vinho pode ser ruim, o carro pode não corresponder à propaganda, a gasolina pode ser “batizada” com água, etc. Mais grave, no entanto, é quando o rótulo é colocado nas PESSOAS. Pessoas rotuladas: este é legal, aquele é safado. Se for um RÓTULO VERDADEIRO, você se aproxima do legal e corre do safado. Este paga as contas, aquele finta; este é encrenqueiro, aquele é de boa convivência; este é honesto, aquele é pilantra. São rótulos miúdos mas de grande efeito construtivo ou destrutivo. Mesmo porque pessoas mudam (até objetos mudam!).
Existem RÓTULOS grandes, macro: COMUNISTA ou FASCISTA, por exemplo. Servem para o mundo todo. Ao rotular um indivíduo de COMUNISTA, você afasta muita gente dele e o aproxima de outros. FASCISTA, a mesma coisa. No mundo político, os rótulos servem para aproximar ou separar. Muitas vezes, rótulos diferentes designam o mesmo “vinho”. Suponhamos: fascista, direitista, imperialista, extrema-direita, ocidental-cristão, privatista. Ou: esquerdista, socialista, estatista, vermelho, petista. Muitas vezes a pessoa não é nada disso, é igual a garrafa com água; se lhe pregam um desses rótulos, às vezes fica para sempre. O próprio indivíduo, sem senso crítico, se deixa levar pelo rótulo e, embora seja ÁGUA, acha que é PINGA.
TODOS estamos sujeitos a passar pela rotulagem: traficante, drogado, subversivo, radical, fanático, doutrinado, etc. Mas, se aprendemos a “pensar com os próprios botões” – isto é, se desenvolvemos o senso crítico, veremos tratar-se de MANIPULAÇÃO, que se pode fazer ao nível da fofoca, baratinho, custa só o tempo que se passa fofocando. Ou ao nível industrial, usando a internet, em que se contratam “influencers” muito bem pagos, com aparatos sofisticados e caros, para produzir laives, podcasts, robôs, tiktoques, instagrans e os raios-que-partam as vítimas dos RÓTULOS depreciativos. Vamos, infelizmente, encontrar muita gente tomando água achando que é cachaça. Pior: tomando água suja achando que é água da melhor qualidade. Rótulos são rótulos! Fácil pregar na testa dos outros.