Recebi um vídeo em que um advogado comemora a “vitória” sobre a “safadeza” dos vereadores de sua terra, que é ganhar um salário de 10.125 reais. Ele, “bom patriota”, entrou com uma ação e conseguiu reduzi-lo para 1.500. E declarou: está extinta a profissão de vereador em minha cidade. Ora, nada mais antipovo, antidemocrático e – dependendo do que se entende por pátria – também antipatriótico. Veja a História.
Até os anos 1950 e 60, vereador só ganhava uma ajudazinha para sair lá do Gordura, Cerca Velha ou Cruzeiro, que “elegiam” o seu vereador porque tinham muitos eleitores. Os candidatos eram escolhidos pelos chefes políticos entre os “do bem”, sempre gente com algum dinheiro. POVO mesmo, desses que ralam da manhã até a noite, nenhum! Vê lá se teriam tempo para comparecer às reuniões da Câmara!
E já era um GRANDE AVANÇO porque, recuando cem ou duzentos anos, isso nem existia. As leis – diziam - eram enviadas por Deus. Depois que, na Revolução Francesa, se mataram barões e duques e se cortou a cabeça do rei e da rainha, é que surgiu o que mais ou menos hoje se chama POVO.
Inventou-se, vamos dizer, a tal DEMOCRACIA moderna = “governo do povo”, o povo manda: afinal ele sabe do que precisa. Mas essa de “povo governa” é uma leréia. Quem trabalha 10 horas por dia no pesado vai governar o quê? Ele conhece seus interesses mas não tem como defendê-los. É fácil botar um melzinho em sua boca e falar: vota em mim, vou te representar. Representa sim a minoria dona do mel.
Quando, porém, o povo começou a perceber que seu voto valia igual ao do rico, ele botou preço. Voto mas se me der cesta básica, nota de cem, saco de cimento. Melhorou, porque antes ele nem votava! Agora vota e põe preço. Na República Velha (1889-1930), o coronel fazia churrasquinho, botava a turma no “curral eleitoral”, levava cada eleitor até a urna e avisava: se eu não ganhar, o pau quebra. Era o voto de cabresto.
Há pouco tempo, a política ainda funcionava assim. Com a internet, continua igual, só que com outros cabrestos: vídeos, tiktoques etc. O trabalhador escuta o dia inteiro leréias aos milhares, falando que a esquerda é o capeta, come criancinhas; e a direita é deus-pátria-família e tal. O povo engole a patacoada e acaba votando contra si mesmo. Basta olhar no Congresso deputados e senadores: 90% não querem SUS, nem escola pública, nem melhores salários, nem direitos trabalhistas. Eles defendem privatizações, empréstimos sem juros, perdão de dívidas, etc. E ganham MUITO BEM! O advogado lá do início implica com o salário do vereador de 10 mil. Ele não quer POVO na Câmara, mas alguém que pode sair de casa tranquilo, sem dívidas, para a reunião mensal de aprovar leis que não entende, e está feito seu “trabalho”. Então 1.500 tá de bom tamanho!
Acontece que vereança vai MUITO ALÉM. Para começar, o vereador vereia: anda pelas veredas da cidade e do município para saber como estão as coisas, vigia pelo bem-estar da comunidade, faz a mediação entre os munícipes e a prefeitura, chama esquerda e direita para conversar, procurando harmonia e não briga. Ele lidera, toma iniciativa, esclarece. O povo espera que faça isso e lhe paga um salário bom para que ele possa deixar seus outros ofícios e se dedicar o dia todo à vereança. Não é dádiva celestial, mas conquista popular: a maioria quer ter na Câmara representantes que tenham a sua cara!
O advogado quer acabar com a profissão de vereador. É antiPOVO e antiPATRIÓTICO. A PÁTRIA, hoje, inclui também os 90% que trabalham de sol a sol e gostam do seu 13º, férias remuneradas, auxílio maternidade, aposentadoria.