Tese: precisamos de política, muita! Sei que contrario quem detesta política, coisa suja, de bandido.
Mas acho que essa ideia mudou, considerando sobretudo o Vem Pra Rua e o MBL a partir de 2013. O “povo” participou para cassar Dilma, botar Michel Temer no governo e eleger Bolsonaro. Os últimos quatro anos mostraram um pessoal ativista, aguerrido, politizado. Dos dois lados: contra e a favor, fazendo política o tempo todo, de crianças a aposentados.
Gente que nunca opinou – “tanto faz A ou B, mesma coisa” – de repente se tornou patriota, interessada nos rumos do país, quem governa, manda no orçamento, faz leis (regras, cerimonial). Preocupa-se com a lisura das eleições, contesta urnas, exige punição de corruptos, define os do bem e os do mal, quem precisa ser metralhado ou eleito, etc. Gente classes C-D-E! Porque B e A média e alta sempre opinaram! Para a direita, claro, lado “certo”, dos mandantes, e com todos os recursos de mídia, rádio-tevê-jornal-dinheiro. Essa gente faz política dia e noite, embora, por conveniência, espalhe a ideia de que política não presta.
A novidade está aí: agora presta. Todo mundo “politizado” – para quem antes não estava “nem aí” – é progresso notável. Pode-se dizer que graças ao zape, iutube, instagran, feice! Vídeos curtos ao alcance de todos, com informações impactantes, ninguém sabe se mentira ou não. Pouco importa! Importante é a sensação de “estar por dentro”, “saber das coisas”, “conhecer a verdade”: agora sim, posso escolher os melhores políticos para governar.
Há aí um profundo valor epistemológico. E neste início de ano, governo novo, mudança de chefias, o momento é oportuno para debater o assunto. Reza o dicionário: “política” = arte de governar. “Governar” = dirigir, dar rumo, colocar regras, definir o cerimonial. Confúcio, sábio chinês, ensina: “Se não estudares poesia, tua linguagem jamais será polida”. Linguagem polida = capacidade de pensar e expressar o que pensa, receber os pensamentos dos outros, coincidentes com os meus ou não, entender o que falam e escrevem. Linguagem não-polida = limitada, aprende-se em casa e na rua; bobinha, infantil, sujeita a manipulações.
Segunda lição de Confúcio: “Se não estudares o cerimonial, não terás um guia para a tua conduta”. Cerimonial = rito, atos organizados conforme o bom senso, respeito, simplicidade, inteligência. Governar é estabelecer este cerimonial = Constituição, leis! Para agradar a todos é necessário fazer isso com “arte”: arte de governar = política.
O leitor vai concordar: não se vive na polis (cidade) sem governança. A começar por si mesmo. Quem não sabe se dá mal. Por exemplo: governar hábitos alimentares. É você que os deve estabelecer para que os alimentos lhe deem energia, saúde. Se deixar para marqueteiros, vai comer porcaria e prejudicar o organismo. Precisa saber governar suas relações com cônjuge, parentes, vizinhos, amigos, e com a maioria que nem conhece, bilhões. Para não se tornar chato, caloteiro, mentiroso, dedo-duro, explorador, mandão, fascista – precisa conhecer (e respeitar) o cerimonial.
Mas para chegar à condição de escolher o melhor governo – no plano pessoal, municipal, estadual, federal, internacional – vai depender de conhecimentos, escola, professores, livros, condições financeiras, etc. Governar a si mesmo já é complicado. Imagine governar cidades, estados, países! Precisa ter gente que sabe fazer política: escuta, tem paciência, não impõe, respeita opositores, convive com diferenças, desconfia de bajulador, prefere críticos, aceita perder, sabe esperar, não se julga deus, aprende com os erros, pede desculpas, chora com os sofredores, festeja com os humildes, não baixa a cabeça para arrogantes, prefere livros.
Se não souber essas coisas, o que acontece? Vai na base da porrada, grito, chicote, armas, ameaças, medo, guerra fria ou quente. O orçamento militar será de bilhões, e a educação, a cultura, o lazer: de miles. Acontece quando poucos se interessam por política, e a multidão deixa pra lá. Felizmente, agora todos sujam as mãos na política! Viva o progresso. E abaixo as ditaduras!