Há uma tirada famosa no mundo político, diz-se que de Benedito Valadares, governador de Minas no período getulista. Indagado sobre um problema com um amigo correligionário, que andara aprontando, ele respondeu: deixa que nós resolvemos. Mas resolvemos como? O tal amigo foi pego com a mão no dinheiro público, ficou rico da noite para o dia! Simples, teria dito Benedito: para isso, tem a política. Se amigo, política nele. Se inimigo, a lei.
De fato, a política pode fazer um processo caducar na gaveta. Basta indicar o juiz correto. Ele finge não saber, diz que está com excesso de trabalho, tem mil processos na frente. Um juiz metido a besta cumpridor de lei para todos não serve. Nesse caso, basta removê-lo, de preferência a uma comarca na selva amazônica! Para isso, existem selvas, e talvez essa seja uma boa razão para preservá-las. Política serve a esse tipo de coisa: consertar o que não tem conserto.
Aí o errado fica certo, e se quem processa insistir na verdade dos fatos arrisca-se a ir pra cadeia processado por calúnia. E a verdade sai do mundo do real e passa ao das aparências.
Isso não acontece só na política. Acontece onde há interesses em jogo. No mundo amoroso, para o infiel nunca convém que a verdade apareça. Ele pode sustentar uma mentira durante anos, até que chega um limite em que as versões falsas são desmascaradas. Na escola, também. O aluno safado pode enganar o professor até formar-se, pegar o diploma e pregá-lo na parede. Às vezes, pode até ser considerado um profissional de primeira. O mundo está cheio de “profissionais” com aspas: dão prejuízo aos clientes fazendo as coisas mais ou menos.
Mas voltemos à política, onde a mentira parece ser a ferramenta básica. A coisa vem de longe. Essa, por exemplo, de dizer que o poder vem direto de Deus é uma baita mentira – que vigorou durante séculos. Serviu para sustentar o poder dos reis. Para garantir privilégios (vamos chutar!) de 5% da população, formada pela nobreza: duques, condes, barões. Veja um filme mostrando como viviam as nobrezas: palácios, prataria, criadagem, caçadas, bailes, chiquezas! Enquanto isso, o povão – 75%! – ralava, adoecia, morria. E aceitava tudo como natural.
Como isso foi possível? Simples: 20% da população ajudava a dourar a pílula. Faziam o meio de campo produzindo fumaça, fofocas, convicções, feiquenius. Organizavam-se em corporações, igrejas, escolas, partidos, mídia. Enquanto nos extremos a nobreza se divertia e a ralé ralava, esse pessoal trabalhava ferrenhamente para viver imitando os 5%. Para isso ser possível, precisavam criar o mundo das aparências, sobretudo através da mídia, avacalhando os inimigos aplicando-lhes a lei, e blindando os amigos através da política.
Às vezes a situação era abalada porque alguns desses 20% queriam entrar para os 5% e promoviam revoltas, – como aconteceu na Revolução Francesa, em que o poder divino dos reis caiu por terra. Dizia-se agora que vinha do povo.
Trocou-se uma mentira por outra, pois esse povo excluía negros, mulheres, pobres, analfabetos. O voto era censitário (precisava ter posses para votar) ou de cabresto. Ai da cidade que não elegesse o candidato do governo! Ficaria à míngua.
Pois muito bem: e hoje? Além das globos, sbtês e records, há saites, blogues, tuíteres, instagrams. A tecnologia criou novos mecanismos, ferramentas poderosas para, em cima dos fatos, colocar tantas versões que fica difícil saber se fulano é gente boa, se é mito, se foi facada ou palhaçada.