Meu amigo falava para a mulher: vamos para a casa da mamãe. Já sabiam. Toda sexta-feira, pegavam cobertas, travesseiros, pijamas, entravam no carro antes de começar o barulho e saíam para passarem duas noites fora. Queriam apenas dormir tranqüilos, descansar. Mas o programa de alguns vizinhos era beber e comer churrasco. Tudo bem num país onde as pessoas são livres. O detalhe é que pega: o som.
Que se ouvia longe, imagine perto. Aquilo zoava até amanhecer, dava uma parada na volta do sábado, e retornava de tarde para só desaparecer na manhã do domingo. Ele pediu, implorou, reclamou, ameaçou, chamou a polícia, mas não resolveu. Entre os participantes havia gente do governo, tinham costa larga. Para evitar o pior, resolveu que final de semana seria na casa da mamãe, que morava, graças a Deus, longe.
A situação ficou assim durante um tempo, com alguma tensão, que foi aumentando. Até que um dia estourou. Meu amigo, quando viu a família se preparando para sair, mandou parar. Para ele, estava no limite. Naquela sexta-feira seria diferente: dormiriam em casa e sem barulho. Esperou que chegassem os primeiros festeiros, já arrumando mesas e cadeiras na calçada, preparando churrasquinho, saiu pra rua e mostrou o revólver. Hoje eu não saio de casa – falou – e não quero ouvir o som de vocês. O tom da voz e a cara devem ter falado mais que as palavras. Funcionou. Sentiram que o aviso não era de brincadeira.
Outro amigo contou que tinha morado anos em uma casa sendo acordado de madrugada pelo som pancadão - tum tum tum – do carro do vizinho. Impotente, a solução foi vender a propriedade a qualquer preço. Para ele, já estava desvalorizada.
Quantos casos existem assim? Milhares.
Mas os exemplos acima servem para ilustrar o tema deste artigo: vizinhança, valoriza ou desvaloriza o seu imóvel? Claro que a resposta é: depende. O bom vizinho valoriza, e muito.
O ideal seria só ter bons vizinhos. Eles nunca amolam com nada. Não o obrigam a ouvir a música dele a manhã inteira, ou, pior, à noite quando não só as crianças mas você também gostaria de dormir. E não incomodam os velhinhos que ainda não estão surdos.
Isso por si já seria suficiente. Mas há aqueles com quem se deixa a chave da casa, e eles cuidam de suas plantas quando você viaja. Abrem as janelas para o sol entrar e evitar o mofo. Dão notícia de algo atrapalhado, uma pessoa suspeita rondando, uma água escorrendo. Cumprimentam sorridentes, desejam-lhe um bom-dia. Se faltou cebola para o almoço, você tem confiança de apertar a campainha e pedir. Às vezes agradam com uma fruta, um doce. São gentilezas que enriquecem a convivência e valorizam o espaço em que se vive.
Quando se vai comprar um imóvel – casa, apartamento, sítio – é aconselhável informar-se sobre a vizinhança. Se lhe dizem: aquele ali é barulhento, brigão, não dá para confiar. É um motivo para escolher outro. Claro que o corretor não vai lhe passar informação desse tipo. Ao contrário: ele vai dizer que os vizinhos são excelentes, de boa convivência. E não só os do imóvel, mas os do bairro. Trata-se de um bairro bom de morar.
A ideia pode se expandir. Não é só vizinho de casa, mas de bairro, cidade, estado, país. Pode-se ir longe com essa ideia. Será que é bom morar perto de um país em guerra? O que seria viver na Palestina, na Síria, com tantas notícias de bombas, mísseis, mortes?
Gostamos de viver num país que, até o momento (tirando a ignorância contra o Paraguai), soube conviver em paz com seus vizinhos. Há problemas, mas que se resolvem com respeito, na base da diplomacia e não do canhão. Devemos torcer para que o Brasil não brigue com a Venezuela, e o que podemos fazer é eleger políticos que saibam dialogar. Os europeus viveram duas guerras no século passado e procuram se lembrar dos seus horrores para não repetirem a dose. O problema é que os velhos morrem e os novos não têm memória.
Por isso, precisamos estudar História, Filosofia, Sociologia.
E vivam os bons vizinhos! Para que não tenhamos a tentação de mudar de país.