Recebi um presente de Natal indesejado: um comunicado da SERASA, datado – que tristeza! – de 25 de dezembro, anunciando que a instituição TAL (não falarei o nome) iria me colocar num banco de dados negativo caso eu não pagasse R$31,06 no prazo de 10 dias. Embaixo, na última linha: “Essa informação também poderá ser visualizada pelo SPC'.
Pensei com meus botões: de onde esse banco (é o Banco XY) sacou esse débito? Talvez fosse uma nova taxa, dessas que estabelecimentos financeiros e comerciais criam para custear serviços de natureza variada. Sei lá, vamos supor: o biscoitinho do café do pessoal, um perfume no corredor para suavizar a espera nas filas, um conserto no carro do motorista, coisas difíceis de prever. Por isso mesmo: extras! Por outro lado, continuei o raciocínio: para cobrá-las não precisavam me acionar com o SERASA. Bastava extrair da minha conta, sob a qual têm absoluto controle. Quando aumentam, por exemplo, o valor de sua manutenção – sem me perguntar – eles cobram. Simplesmente!
Conclusão provisória: não devia ser taxa. Falta de saldo? Também não, porque o valor estava dentro de minhas possibilidades.
Continuei a leitura do comunicado e vi no item “natureza” que se tratava de cartão de crédito. Surpresa! Me senti como o ladrãozinho de frutas flagrado no quintal pelo proprietário, que foi logo perguntando: como você veio parar aqui? Uma rajada de vento me carregou. E por que apanhou essas frutas? Tive de me agarrar nelas para não ser levado para longe. E essas frutas na sua sacola? Ora, era o que eu estava pensando quando você apareceu.
Minha situação estava parecida, guardadas as diferenças. Fui flagrado tentando surrupiar de um pobre banco a quantia de 36 reais e 6 centavos devido a uma ventania que me colocou em situação constrangedora. Fossem mais delicados comigo, cliente de décadas, e me avisassem. Eu devolveria as frutas. Foi o que me passou pela cabeça.
Por uma razão até simples: nunca tive cartão de crédito. Nunca paguei nem comprei com cartão de crédito. Como poderia então entrar para a lista do SERASA e do SPC por causa de um cartão de crédito?
Fui perguntar à gerente, a mais próxima credora a quem tinha acesso.. Ela ao menos recebeu-me com um sorriso. que compensou os longos 30 minutos de espera. Pegou o papel, leu, perguntou o CPF, abriu meu dossiê, olhou, consultou, analisou, descobriu que, seis meses atrás, uma funcionária havia procurado contato comigo mas não conseguiu, e que não havia registro de ocorrências referentes a cartões de crédito.
Mas então? É o Sistema, ela explicou. O Sistema funciona assim. Perguntei se o caminho seria acionar a justiça contra o banco, que sujava meu nome de bom pagador. Ela novamente consultou e me deu o conselho: melhor pagar. Principalmente porque o Banco oferece uma promoção: em vez de 31,06, pague apenas 12,36.
Quer saber? Diante do Sistema, preferi enfrentar nova fila e pagar no caixa o valor da promoção. E ainda agradecer porque o Sistema não me cobrou 3 mil, ou 30. As frutas que nem experimentei ficaram mais baratas. Perguntei à gerente se poderia ter uma conversinha particular com esse Senhor Sistema, onde poderia encontrá-lo, qual seu endereço, telefone, emeio(sic). Impossível! Absolutamente sigiloso! O que se sabe é que Ele nos governa, e pronto.
Faz nossas cabeças de tal forma que agimos exatamente como ele manda.. Por exemplo: determina que pais e mães trabalhem tanto que quando os filhos aparecem, de vez em quando, querendo brincar, eles explicam: precisamos terminar este serviço, acabar este relatório, fazer tal TCC, ou atualizar as redes sociais.
Mas esta é outra rajada de vento muito bem analisada no filme “Coraline”, sucesso entre crianças mas que serve também para adultos, baseado no livro homônimo de Neil Gaiman, de 2002. É o Sistema. Conhece?