Aprendi a escrever cartinha para o Papai Noel. Aproximava-se o Natal, e irmãos e irmãs se envolviam com seus pedidos: carrinho, bola, boneca, bercinho de nenê, joguinho de dados. Ninguém queria presentes úteis como sapatos e roupas. Para sossego de papai e mamãe, duravam semanas esses preliminares redigindo os bilhetes endereçados ao bom velhinho. Chegado o grande dia, 24, a cartinha cuidadosamente dobrada ia para dentro do sapato, debaixo da cama. Sabíamos que Ele não iria falhar.
Acreditávamos nessa bela patacoada, invenção de algum esperto marqueteiro.
Nada contra! Faz parte da existência essa necessidade de engambelar e ser engambelado. Nem todos os lares cultivavam essa feiqueniu. Normal que os salários-mínimos, que não podiam bancar um Papai Noel comprando presentes para todo mundo, se contentassem com as campanhas – nem sempre havia – do Natal dos Pobres. Não alimentavam nos filhos as idéias de que alguém dotado de mágicos poderes, viajando pelo espaço numa carruagem puxada por renas voadoras, descesse pela chaminé com um saco de surpresas para satisfazer seus desejos.
O comércio, ao longo dos séculos, inventou outras datas para incrementar suas vendas: réveillon, dia das mães, pais, avós, namorados, funcionários, crianças. Mas nada que se iguala ao do aniversariante. Bilhões em todo o planeta comemorando o próprio nascimento e comprando freneticamente, para alegria dos empresários e tristeza dos ecologistas.
Parece que é da natureza humana essa inclinação para acreditar. Acreditamos, quando crianças, em fábulas, histórias da carochinha, de assombração. Adultos, continuamos a acreditar, na choradeira de uma atriz, que devíamos saber que está representando, mesmo assim ficamos com peninha dela. Oh, que sofrimento! Acreditamos nas promessas mais sem lógica, como a do candidato que quer promover a paz apontando arminhas e melhorar a vida de todos concentrando dinheiro nas bolsas de um por cento e dando liberdade ao resto para se lascar como quiser.
No fundo, não somos muito diferentes do Cândido da história do burro. O nome já está dizendo: “cândido”, inocente, ingênuo. Lá ia ele puxando seu asno, quando um jovem veio na surdina, desamarrou-o e levou-o embora, enquanto outro amarrou o braço com a corda, tomando seu lugar. Tudo tramóia entre os rapazes, que queriam ganhar dinheiro e fazer graça. Quando o proprietário se virou e viu, o moço o saudou com um louvado seja Deus, enfim estou desencantado!
E contou ao perplexo Cândido que o pai lhe jogara uma praga devido ao seu péssimo comportamento em casa e na escola: ele iria andar de quatro depois de lhe nascer um rabo e lhe crescerem as orelhas. O feitiço durou anos. E agora pedia desculpas pelo prejuízo. O prejudicado acreditou e se congratulou: maravilha! Despediram-se, depois de o rapaz pedir segredo. Não espalhasse a verdade (ora, a verdade!) sob risco de ele voltar ao encantamento.
Daí a dias, vai o Cândido comprar outro burro. Para o leitor que sabe da mentira, é fácil entender que o mesmo quadrúpede lá estava à venda. Os espertalhões o haviam passado adiante. Ao vê-lo, em momento algum teve um lampejo de crítica. Continuou acreditando na lógica: se o burro estava ali é porque o rapaz fizera novas trapalhadas e o pai repetira a dose. Não teve dúvidas. Chegou perto da orelha do bicho e cochichou: já te conheço, seu besta, outro que te compre!
Achamos graça, o que é sinal de saúde mental. Rimos, e rir de si indica que a inteligência funciona, apesar de mergulhada num mar de invenções, fantasias e mitos. Por mais que moralistas se empenhem em dizer a verdade e somente a verdade, continuaremos mentindo e trapaceando, até na hora em que o marido chega de madrugada, e a mulher pergunta onde estava, ele responde: visitando um amigo doente. E quem é o amigo? O cara estava tão mal que não me falou o nome.
Há mentiras boas. Muitas. Como a do dono da casa que lia o jornal quando apareceu um visitante. Recebeu-o com prazer, sentaram-se, começaram a conversar. De repente, entra o cachorro perguntando pelo jornal do dia. O homem o alcança na mesa e o entrega ao cão, que sai com ele na boca. Pasmo, o visitante olha, parece que aguardando uma explicação. Ela vem: Ora, não se espante, fala o anfitrião. Meu cachorro está acostumado a ver jornal, mas só lê os quadrinhos.
Há, porém, mentiras que causam miséria, guerras, mortes. Acreditar em Mamom é uma delas. São muitos os seus fiéis, principalmente bilionários, por sorte apenas 200, segundo recente edição da revista Forbes. O problema é que, mesmo poucos, eles dominam a mídia, as redes sociais, o congresso, as instituições, tornando-se capazes de grandes estragos, como destruir florestas e, pior, a inteligência das multidões, cujo senso crítico vai a zero. Tanto é que passam a acreditar em mitos e abobrinhas. (Para quem não sabe, Mamom é dinheiro.)