Das primeiras lições de infância, se recorda bem, ficaram mais que lembranças. Nascido em fazenda, lá pelas bandas da Vila Funchal, foi logo aprendendo a montar em burro bravo. Percorreu cada palmo daquela imensidão. Morro e mais morro, rio e mais rio. É nas entrelinhas que a história se desenlaça. Por isso, é preciso sublinhar aquelas primeiras aventuras num sertão distante pois, com elas, vieram lições que o acompanharam pela vida afora.
Filho primogênito, Breno Mello ingressou na vida estudantil pela escola municipal do distrito de Vila Funchal, onde aprendeu a ler e escrever. Ao completar 10 anos de idade se mudou para São Gotardo, mas por breve estadia. Aos 13 anos teve a rara oportunidade de estudar em um dos melhores colégios da região, o Dom Bosco, na cidade de Araxá, lá permanecendo até a conclusão do ensino médio. Era o início da década de 1960. Seu sonho: cursar a universidade. Em 1962 prestou vestibular na PUC-MINAS, concluindo o curso de Direito no ano de 1967. Ao longo destes cinco anos na Universidade experimentou um sem número de desafios. No ano de 1964, quando a convulsão do golpe militar investia contra direitos e liberdades individuais, Breno Mello por muito pouco não foi preso pela polícia, chegando inclusive a ser interrogado. Naquele ano Breno havia sido eleito presidente do Diretório Acadêmico da Puc, envolvendo-se, sem saber, com o movimento estudantil, uma das forças de resistência nos primeiros anos de chumbo. Suspeito de pregar ideias comunistas - o que não era verdade - teve de dar explicações aos agentes militares. Intercedeu em seu favor o reitor da universidade, Dom Serafim Fernandes. " Parece que era o delegado. Quando eu entrei na sala dele , ele sabia mais da minha vida do que eu. de tanto investigar. Eu falei assim: doutor como eu posso ser comunista? Meus pai é um fazendeiro humilde, analfabeto não tem nada de comunismo..."Ele relembra.
Foi também nesta fase universitária que o jovem Breno defrontou pela primeira vez as limitações impostas por uma certa dificuldade de dicção. Este é um assunto que já lhe rendeu boas risadas. Breno deu a volta por cima e provou que sua furtiva gagueira nunca foi empecilho para exercer a profissão, e de tabela, alçar o posto de um dos maiores e mais respeitados advogados de São Gotardo. Veja a entrevista:
Várias vezes. Quando fiz o pré-vestibular, tinha aquela prova oral de português. Aí falei com o professor que tivesse calma comigo, porque eu sou gago e eu fico nervoso. Daí ele me disse que era apenas uma desculpa, que não era gago nada. Lembro disso como se fosse hoje: quando eu comecei a ler eu dei uma gaguejada. Ele me deu zero na prova.
Depois de formado, quando retornei pra São Gotardo, um sujeito me disse logo depois que cheguei: Como é que você vai ser advogado, se você não sabe nem conversar? Por incrível que pareça eu defendi o cara que matou esse sujeito. Aquilo me feriu profundamente pelo fato de eu ser gago. Curiosamente eu senti que a minha profissão era aquela, e principalmente na área criminal. Sabe por quê? É na área criminal onde você vê as maiores injustiças. Eu tinha um professor que já dizia que só ia pra cadeia quem era pobre e/ou negro. Infelizmente é verdade.
E naquele tempo, era difícil exercer a profissão em uma cidade pequena? Como foi o inicio de sua atuação ?
Eu vou falar pra você, era um problema sério. Quando eu vim pra São Gotardo aqui só tinha três advogados, o Fausto Mesquita, o Osvaldo Pessoa e o Jaime Henrique. Eu tenho um grave problema: eu troco até hoje o G com o Q. Quando a palavra se escreve com G eu ponho Q, quando é com Q eu ponho G. Eu fiz uma petição certa vez, e onde era 'cheque' eu botei 'chegue', e isso foi motivo de crítica no meio jurídico: ah! ele não sabe nem escrever, diziam.
Isso não o desanimou?
Não. De maneira alguma. Eu superei. E acabei me tornando o advogado mais requisitado da cidade. Teve um tempo aqui em São Gotardo que, se morresse 40 pessoas, 38 inventários era meu escritório que fazia. O povo me procurava. Só na Justiça gratuita foram mais de 100 júris. Eu nunca recusei, porque quando você forma você faz um juramento. Toda vida eu procurei cumprir o meu juramento.
A Justiça é elitista?
Quem tem dinheiro contrata os melhores advogados. O nome pesa, e muito. Por exemplo, se tem um advogado que é sobrinho de desembargador, na minha opinião, tudo isso influencia. Entre o meu conhecimento e o dele, o meu pode até ser melhor, mais o dele prevalece.
A Lei reflete valores e costumes. Muita coisa mudou nos últimos 50 anos?
Mudou e muda todos os dias. No Brasil, a lei é feita do fato, do momento. Por exemplo a lei do crime hediondo surgiu por que? por causa da Gloria Perez( autora de novelas. sua filha foi assassinada pelo marido, o que causou enorme comoção na época). Quer dizer, é um fato do momento. Você não tem mais aquela segurança que tinha antigamente. Segundo: a violência corre solta. Você está vendo ai o Feminicídio. O estado de Minas Gerias foi o estado que mais teve assassinato de mulheres. Então você tem que comprar um código penal todo mês, porque muda a lei.
O advogado pode escolher a quem defender?
Pela constituição federal ninguém pode ser condenado sem ter direito à defesa. Pode ser o pior crime do mundo, que ele tem o direito a um advogado. Eu adoto o seguinte princípio: se me procuram eu falo, olha, eu vou pegar sua causa, e explico pra ele as chances possível. Então, o crime por exemplo. Eu já defendi um crime que era indefensável, e eu explicava pra ele, olha eu vou fazer o possível pra atenuar a sua pena, por que absolvição é impossível. O advogado tem de ser honesto. Eu explico todas as consequências que pode ocorrer.
O senhor acredita que ocorre muitos casos em que uma pessoa é condenada injustamente?
Essa é uma coisa difícil de responder. Quando eu estou defendendo uma pessoa, eu lanço minha tese de defesa, agora, quem decide é o júri. Não é o advogado, não é o promotor nem o juiz, são os sete jurados. Eles são juízes do fato e de fato, e tanto é verdade que a decisão deles só pode ser modificada se ela for manifestamente contraria a prova dos autos. Então você não sabe o que se passa na cabeça dos jurados.
Comemorar 50 anos de profissão é um privilégio
Eu sempre pautei a minha vida dentro dos princípios éticos, morais e cristãos. Eu agradeço do fundo do meu coração ao meu pai(Antônio de Mello), que só sabia assinar o nome mas que na matemática era fora de série. Minha mãe(D. Auta ), que era professora formada. Eles me incentivaram. Meu pai me sustentou durante todo meu curso, e a única coisa que eu tinha que fazer era estudar e mais nada, nunca exigiu que eu trabalhasse para eu manter meus estudos. Me casei, graças a Deus, com a Eneida, que também se formou em advocacia. Agradeço aos meus filhos, a Cristina, o Neto, a Rafaela, que não sei se pelo fato de eu ser advogado seguiram o mesmo caminho, e o Ricardo. Sou saogotardense, amo essa terra e agradeço ao povo de São Gotardo e a todas essas pessoas que confiaram em mim.
Aos jovens advogados de hoje, que estão iniciando, que eles sejam advogados honestos, cultos, amigos, sinceros e que faça da justiça a sua bandeira, pois sem advogado não existe justiça.