Não foi conversa de pé de ouvido ou em roda de pescadores que tomei noticia daquele estranho costume. Se não fosse fato comprovado pelas dezenas de testemunhos ouvidos e recontados, eu seria o primeiro a desacreditar. Dona Arminda, mulher de fervor e temente aos mandamentos não mentiria só por interesse ou diversão. Ela, por insistência minha, narrou em detalhes a cena daquela arrepiante contenda com a filha dileta do chefe lá de baixo, das profundezas. O embate se deu logo ali, na saída do beco perto do Afonso Pena. E assim ela me resumiu aquele encontro que durou quase uma eternidade: " Ia eu passando com a mala de roupa na cabeça quando vi, a pouco mais de dois ou três passos de distância, dois olhos vermelhos me acuando. Era ela, a peçonhenta, filha da coisa ruim: uma cascavel de metro e meio mais ou menos. O que fazer numa hora dessas? Nada, meu filho!!! Minha sorte foi que passava pelo beco um sujeito de boné com uma capanga de lado. Então gritei baixinho, com a voz engolida pelo medo, socooorro!!!! Daí ele veio chegando, já meio que esbravejado quando da cena presenciada e recomendou: Fica parada Dona Arminda que ela é de veneta. Primeiro, chutou o chocalho dela deixando a bichinha numa raiva só. Depois foi cutucando a cobra, cutuca daqui, cutuca dali, e a cobra se enrolando preparando bote, mas não dava tempo: era ela começar a se enrolar e lá vinha outro cutucão. Ele cutucava, e ela enrolava, e eu lá olhando, mantendo distância. Dai ele me perguntou: é pra matar? Mal consegui balançar a cabeça, dizendo que sim. Daí ele deu um rodopio pelo corpo e num chute só, acertou em cheio na cabeça da desaforada, que saiu catando cavaco ladeira abaixo. Susto passado, me aprontei com a mala de roupa pra seguir beco arriba. Mas primeiro, fui agradecer o filho de Deus, o tal sujeito de boné e embornal. E não é que conhecia o danado: - Uai Maã é ocê?
- Ô dona Arminda, sou eu mesmo.
- Ah menino, ocê trata de tomar cuidado viu, que esse bicho é traiçoeiro.
- Tenho medo não, já tô acostumado. Comigo, Cascavel é no chute.
Muito tempo depois é que fiquei sabendo que vez ou outra o danado exercita o estranho costume de abrir picada em beira de rio pra pescador passar. Quando o mato é ermo ele vai à frente abrindo caminho, arredando ninhos de cobra, de qualquer espécie que seja - jararaca, canina, urutu, e claro, cascavel, a mais comum ali pelas beiradas do Indaiá e do Abaeté. Pescador é um bicho curioso, morre de medo de cobra.