Um escritor estadunidense, Washington Irving, nascido em 1783 e falecido em 1859, escreveu um pequeno conto chamado Rip Van Winkle que, mesmo se tratando de um outro país e de uma outra realidade, expressa bem o que vem acontecendo em nosso Brasil.
Vou explicar melhor.
Rip Van Winkle, o personagem que dá nome ao conto, era um caçador que vivia no Estado de Nova York, às margens do rio Hudson. Rip, casado e com dois filhos, vivia em atritos com sua mulher já que não gostava muito de trabalhar e por isso sua esposa vivia criticando, reclamando que tinha que fazer tudo sozinho, que o marido não a ajudava a cuidar da casa, dos filhos, não queria saber de trabalhar e por aí vai...
Um belo dia a discussão tinha sido muito forte e Rip, chateado, saiu de casa e foi para uma taverna chamada Rei George III.
Um detalhe: na época na qual o conto se inicia, os Estados Unidos ainda eram uma colônia britânica e servos do Rei George III.
Continuando a história, já no bar, a esposa de Rip continua a reclamar e, por causa disso, Rip vai embora com seu cachorro, sobe uma montanha e chegando lá em cima, cansado, deitou ao pé de uma árvore e dormiu.
Quando acorda no dia seguinte começa a achar tudo bem estranho à sua volta. O mato estava mais crescido, sua arma, nova quando ele subiu a montanha, estava velha e estragada, sua roupa rasgada e sua barba bem mais longa e grisalha. Seu cachorro havia sumido.
Ele desce a montanha e vai para sua vila e lá descobre que tudo havia mudado. As pessoas eram diferentes, sua família havia desaparecido e sua casa estava abandonada e totalmente deteriorada. Triste, vai caminhando em direção à taverna que havia mudado de nome. Lá dentro, não conheceu ninguém e ao ser tomado como louco, acaba descobrindo que havia dormido não uma noite só, mas por 20 anos.
Os Estados Unidos já haviam se tornado independentes da Inglaterra, seus amigos mortos, seus filhos crescidos e já casados e sua esposa havia também falecido.
Essa história de Rip Van Winkle passou a representar uma pessoa que, permanecendo a mesma, passa a viver em dois períodos de tempo distintos, vivendo uma mudança social. Dormiu súdito de rei da Inglaterra e acordou em um país republicano, envolvido em eleições, democracia, direitos civis, etc.
Agora a pergunta: o que tem a ver essa história com a nossa realidade?
Seria como uma pessoa que, dormindo por 20 anos, tenha acordado em um Brasil diferente, totalmente mudado, mas, infelizmente mudado para pior. Dormimos e acordamos em um país que está voltando no tempo e não avançando.
O país que o dorminhoco se depara é um país onde as pessoas perderam o pudor de se manifestarem publicamente como racistas, agredindo violentamente pessoas de etnias diferentes. Um mundo onde crianças são assassinadas por balas perdidas sem que isso cause uma comoção, simplesmente virando uma notícia no pé de página de um jornal.
Um mundo no qual as pessoas estão perdendo seus direitos civis, seus direitos trabalhistas, onde não há emprego para todo mundo, um mundo no qual pessoas acham que vacinas são prejudiciais à saúde, que a terra é plana, que peixes são inteligentes e capazes de se desviarem de óleo derramado no mar, que existe uma obrigatoriedade de meninas usarem roupa cor de rosa e que os meninos devem usar sempre azul e um presidente que usa e abusa de palavras chulas e que toma decisões que serão anuladas no dia seguinte.
Um mundo no qual um representante eleito defende publicamente o retorno da ditadura com todo o mal que causou na nossa sociedade e acredita que basta pedir desculpas que tudo voltará à normalidade.
Um mundo onde o fundamentalismo religioso se torna a tônica para a discussão política sem que as pessoas não percebam, e que a história mundial já nos mostrou muito bem, que não é aconselhável que as duas coisas se misturem.
Pés de goiaba, canetas azuis, peixes inteligentes, racismo, intolerância, violência, sofrência, golden shower...
Como Rip Van Winkle, podemos nos fazer uma pergunta: o que aconteceu? Para onde foi o meu mundo?