Meu amigo falava para a mulher: vamos para a casa da mamãe. Já sabiam. Toda sexta-feira, pegavam cobertas, travesseiros, pijamas, entravam no carro antes de começar o barulho e saíam para passarem duas noites fora. Queriam apenas dormir tranqüilos, descansar. Mas o programa de alguns vizinhos era beber e comer churrasco. Tudo bem num país onde as pessoas são livres. O detalhe é que pega: o som.
Que se ouvia longe, imagine perto. Aquilo zoava até amanhecer, dava uma parada na volta do sábado, e retornava de tarde para só desaparecer na manhã do domingo. Ele pediu, implorou, reclamou, ameaçou, chamou a polícia, mas não resolveu. Entre os participantes havia gente do governo, tinham costa larga. Para evitar o pior, resolveu que final de semana seria na casa da mamãe, que morava, graças a Deus, longe.
A situação ficou assim durante um tempo, com alguma tensão, que foi aumentando. Até que um dia estourou. Meu amigo, quando viu a família se preparando para sair, mandou parar. Para ele, estava no limite. Naquela sexta-feira seria diferente: dormiriam em casa e sem barulho. Esperou que chegassem os primeiros festeiros, já arrumando mesas e cadeiras na calçada, preparando churrasquinho, saiu pra rua e mostrou o revólver. Hoje eu não saio de casa – falou – e não quero ouvir o som de vocês. O tom da voz e a cara devem ter falado mais que as palavras. Funcionou. Sentiram que o aviso não era de brincadeira.
Outro amigo contou que tinha morado anos em uma casa sendo acordado de madrugada pelo som pancadão - tum tum tum – do carro do vizinho. Impotente, a solução foi vender a propriedade a qualquer preço. Para ele, já estava desvalorizada.
Quantos casos existem assim? Milhares.
Mas os exemplos acima servem para ilustrar o tema deste artigo: vizinhança, valoriza ou desvaloriza o seu imóvel? Claro que a resposta é: depende. O bom vizinho valoriza, e muito.
O ideal seria só ter bons vizinhos. Eles nunca amolam com nada. Não o obrigam a ouvir a música dele a manhã inteira, ou, pior, à noite quando não só as crianças mas você também gostaria de dormir. E não incomodam os velhinhos que ainda não estão surdos.
Isso por si já seria suficiente. Mas há aqueles com quem se deixa a chave da casa, e eles cuidam de suas plantas quando você viaja. Abrem as janelas para o sol entrar e evitar o mofo. Dão notícia de algo atrapalhado, uma pessoa suspeita rondando, uma água escorrendo. Cumprimentam sorridentes, desejam-lhe um bom-dia. Se faltou cebola para o almoço, você tem confiança de apertar a campainha e pedir. Às vezes agradam com uma fruta, um doce. São gentilezas que enriquecem a convivência e valorizam o espaço em que se vive.
Quando se vai comprar um imóvel – casa, apartamento, sítio – é aconselhável informar-se sobre a vizinhança. Se lhe dizem: aquele ali é barulhento, brigão, não dá para confiar. É um motivo para escolher outro. Claro que o corretor não vai lhe passar informação desse tipo. Ao contrário: ele vai dizer que os vizinhos são excelentes, de boa convivência. E não só os do imóvel, mas os do bairro. Trata-se de um bairro bom de morar.
A ideia pode se expandir. Não é só vizinho de casa, mas de bairro, cidade, estado, país. Pode-se ir longe com essa ideia. Será que é bom morar perto de um país em guerra? O que seria viver na Palestina, na Síria, com tantas notícias de bombas, mísseis, mortes?
Gostamos de viver num país que, até o momento (tirando a ignorância contra o Paraguai), soube conviver em paz com seus vizinhos. Há problemas, mas que se resolvem com respeito, na base da diplomacia e não do canhão. Devemos torcer para que o Brasil não brigue com a Venezuela, e o que podemos fazer é eleger políticos que saibam dialogar. Os europeus viveram duas guerras no século passado e procuram se lembrar dos seus horrores para não repetirem a dose. O problema é que os velhos morrem e os novos não têm memória.
Por isso, precisamos estudar História, Filosofia, Sociologia.
E vivam os bons vizinhos! Para que não tenhamos a tentação de mudar de país.
Não precisa muita pesquisa para ver que uns têm dinheiro demais e a maioria tem de menos. Segundo os que entendem do assunto, há causas para essa desigualdade.
Cláudio Moura Castro, economista e especialista em educação, aponta três: a escrita, os livros e a complexidade tecnológica. Confira na revista Veja de março último, num artigo chamado “Conspiração para a pobreza”.
A primeira – a escrita –, inventada pelos egípcios e sumérios, aperfeiçoada pelos gregos há 3.000 anos, permitiu que o homem se diferenciasse bastante, suponhamos, de uma vaca. Esta vive o aqui-e-agora. Está com fome, busca capim; com sede, água. O mais é remoer sem pressa a vida. Já o ser humano põe no papel (antigamente era papiro, pergaminho) alguns desenhos chamados letras e números e adquire enormes poderes.
Aí começa a separação entre os que sabem fazer isso e os que não sabem. Basta um gerente escrever os nomes de 1.000 pessoas, com dados de identificação e a indicação de um tanto de dinheiro para cada uma, para ele dominar todas. Assim foi que se desenvolveu a contabilidade, os cálculos matemáticos, e quem estava por dentro desses mistérios ficou rico. Mas não foi só isso.
Apareceram os filósofos, que passaram a inventar teorias para justificar porque as coisas eram como eram. Uma delas – a de que o poder dos reis e da nobreza – vinha direto de Deus, durou séculos. Só foi abalada de 1.600 para cá. E ainda continua, pois até hoje existem reis e princesas. Mas bem mais modestos do que foram seus avós.
A segunda causa veio de Guttemberg, que inventou a imprensa. Antes um livro era escrito a mão, demorava, um de cada vez. E era muito caro! Guttemberg barateou bastante, porque imprimiam-se muitos de uma vez só. De repente, quantidade e velocidade permitiram o aparecimento da ciência moderna. Surgiram autores como Copérnico, Galileu, Descartes, muita gente escrevendo e divulgando suas idéias.
Começou uma briga de vida e morte entre os que sabiam ler e a turma que já estava no poder e não queria mudar. Para eles estava tudo bom. Quem venceu? Os espertos com livros nas mãos, idéias na cabeça e capacidade de comunicação. Derrubaram os reis, cortaram até cabeças e em seu lugar instalaram presidentes e ministros. (Veja no YouTube os iluministas e a Revolução Francesa).
Chegamos aos nossos tempos.
Claro que há muitos detalhes que não podem ser explicados num artigo como este. Para informar-se, há hoje recursos enormes com a invenção do computador e da internet. Foi como se Guttemberg se multiplicasse por um milhão. Ou seja: os livros agora estão ao alcance de todos. Se não pode comprar em papel, lê na tela.
Chegamos à terceira causa de por que cada vez mais uns viram bilionários e a maioria só faz para o gasto. É a complexidade tecnológica. Vamos traduzir em linguagem fácil de entender.
Antes, para produzir milho, o trabalhador pegava uma enxada, limpava o terreno, tirava a semente no próprio paiol, fazia o buraco, plantava, colhia. Qual a complexidade? Mínima. O mais complicado era produzir a enxada: extrair o ferro, derretê-lo, colocar numa fôrma, levar ao comércio e vender. Agora, vamos considerar hoje. Primeiro que não é mais aquele sistema de cada qual com sua rocinha produzindo milho para fazer pamonha e guardar no paiol o restante. São áreas imensas, com máquinas sofisticadíssimas, e o pessoal que opera tem que saber ler, calcular, cuidar, comunicar. Quantos anos de estudo para produzir essas máquinas e preparar esse pessoal?
Resultado: quem domina a escrita e a leitura conhece os segredos. Isso explica porque o fazendeiro antigo, que tirava leite na munheca, perdeu o poder para os modernos empresários do agronegócio com suas ordenhas cheirosinhas. Estes lêem e escrevem mais. Tá explicado?
Entende-se porque é importante acabar com o analfabetismo, inclusive o funcional. O analfabeto funcional é aquele que sabe ler mais ou menos. Não basta. Precisa ler textos mais complicados também. Como é o do próprio Cláudio Moura Castro.
Acabei de ler “Capitão de Castela” (650 páginas). Na verdade, reler. Já o havia lido há anos, num exemplar antigo. Sumiu, mas consegui comprar outro via internet, e fico grato a essa tecnologia por isso. O pano de fundo é a conquista do México pelos espanhóis em 1500, graças aos trabucos e canhões de Hernan Cortéz contra as flechas e lanças dos índios.
A história tem um herói, Pedro Garcia, que se envolve numa trama amorosa com a marquesinha Luísa de Carvajal e uma mulher comum, do povo, Catana Pérez, que vence a parada e se casa com ele. Mas antes têm que fugir da Espanha para salvar a pele da então chamada “Santa” Inquisição, entidade católica encarregada de manter as consciências das pessoas afinadas com os dogmas da igreja. Mas servia também para perseguir inimigos políticos – que é o caso da família Garcia –, conforme os interesses de bispos corruptos e seus aliados.
Consultei muitas vezes o dicionário, aprendi palavras como “sambenito” (roupa que penitentes condenados pela Inquisição usavam), “marrano” (xingamento contra mouros e judeus, excomungado, sujo), “poterna” (porta falsa que permite sair secretamente). E muitas outras!
Também tive aula de história, filosofia, sociologia – sobre conquistas militares, superstições, mentalidade atrasada de uma época que talvez dure até hoje. Por exemplo: eram normais os espetáculos de tortura, enforcamentos, decapitações, tudo feito na praça. O povo apreciando, inclusive crianças! Acompanhei as safadezas dos “civilizados” para imporem sobre os “bárbaros” – no caso os aztecas – as suas crenças e a sua dominação, que eles, conquistadores, consideravam vantajosas. Claro, levaram, em nome da fé e do progresso, toneladas de ouro para a Europa.
Pode-se considerar isso como “benefícios da leitura”? Sem dúvida.
Eu poderia ter visto um filme, aliás existem vários sobre o assunto. Mas preferi ler, embora nada tenha contra os filmes. É que o livro fala o que o filme fala e muito mais!
Tentemos convencer o leitor a respeito de “algumas” vantagens.
Ao longo de 650 páginas tive de me recolher, em silêncio, e prestar atenção nas frases, nos sujeitos e objetos, na colocação dos termos, nas inversões, nos parágrafos. Acha que é fácil? Aí é que está: você desenvolve habilidades importantíssimas para tudo: atenção, concentração, paciência, persistência. Enquanto estiver lá, parado (feito um idiota, muitos dirão), não poderá fazer nada: ver televisão, atender o celular, fazer joguinho, passar mensagens, até ouvir musiquinha de fundo atrapalha.
E uma coisa fantástica estará acontecendo na sua cabeça, isto é, na sua inteligência: sua imaginação vai construindo as imagens do que está sendo contado no livro, articulando as idéias nele expostas ou sugeridas. Sem perceber, você está treinando uma coisa que todos falam que é bom mas só de boca para fora: sua inteligência.
De brinde, ainda ganhará competência em Português. Aprenderá de verdade a sua língua, uma das principais ferramentas para batalhar a vida. Ou seja: poderá se comunicar mais fácil, falando e escrevendo, entenderá melhor as coisas, apreciará mais o silêncio, a meditação, e ficará livre de muitos vícios horrorosos.
Cito alguns, para concluir: ver televisão compulsivamente, não conseguir viver sem ligar o som, falar feito maritaca, beber sem parar quando fica sozinho, fingir que escuta, decorar as coisas em vez de entendê-las. Por aí vai.
Claro: é possível viver sem ler. Afinal, conforma-se com tudo na vida, até com a ruindade.
Foi o que aconteceu com o José Dalmo Garcia no dia 12 de março. Ele trabalhava na fazenda Valadares, onde mora, a 2 km e meio do bairro Saturnino e não viu duas cascavéis que estavam no meio do caminho, enroladinhas e com a vida resolvida. Pisou em cima e teve a resposta na hora: uma picada na parte inferior da perna esquerda, que doeu como um furo de arame, segundo ele.
Saiu rápido em busca de socorro. Felizmente tinha um celular disponível, ligou para o irmão, que estava do outro lado da cidade, perto do lixão. Em trinta minutos, passou uma água no corpo, vestiu-se e deu entrada na Santa Casa. Foi prontamente atendido, recebeu o soro antiofídico e aguardou três horas até ser levado ao Hospital Regional em Patos. Chegou às 22 horas e 30 minutos, recebeu medicamentos e ficou três dias tomando soro.
Na hora da picada, passou por um tremor no corpo. Teve uma reação alérgica com o soro, os braços escureceram.
Teve alta na sexta à tarde, tranqüilo, e agradecido a todos que o atenderam e ajudaram na Santa Casa de São Gotardo e no Hospital Regional de Patos. Inclusive o povo brasileiro, pois a conta – em torno de R$3,950 – foi para o SUS (Sistema Único de Saúde). Recomendação que faz, a partir de sua experiência: usar caneleira quando for trabalhar no mato.
Muita gente conhece o José Dalmo pelo apelido de Coelho. E é fácil encontrar com ele no bar do Luís Gentil, na praça São Sebastião, ao lado do banco Itaú.
Há uma tirada famosa no mundo político, diz-se que de Benedito Valadares, governador de Minas no período getulista. Indagado sobre um problema com um amigo correligionário, que andara aprontando, ele respondeu: deixa que nós resolvemos. Mas resolvemos como? O tal amigo foi pego com a mão no dinheiro público, ficou rico da noite para o dia! Simples, teria dito Benedito: para isso, tem a política. Se amigo, política nele. Se inimigo, a lei.
De fato, a política pode fazer um processo caducar na gaveta. Basta indicar o juiz correto. Ele finge não saber, diz que está com excesso de trabalho, tem mil processos na frente. Um juiz metido a besta cumpridor de lei para todos não serve. Nesse caso, basta removê-lo, de preferência a uma comarca na selva amazônica! Para isso, existem selvas, e talvez essa seja uma boa razão para preservá-las. Política serve a esse tipo de coisa: consertar o que não tem conserto.
Aí o errado fica certo, e se quem processa insistir na verdade dos fatos arrisca-se a ir pra cadeia processado por calúnia. E a verdade sai do mundo do real e passa ao das aparências.
Isso não acontece só na política. Acontece onde há interesses em jogo. No mundo amoroso, para o infiel nunca convém que a verdade apareça. Ele pode sustentar uma mentira durante anos, até que chega um limite em que as versões falsas são desmascaradas. Na escola, também. O aluno safado pode enganar o professor até formar-se, pegar o diploma e pregá-lo na parede. Às vezes, pode até ser considerado um profissional de primeira. O mundo está cheio de “profissionais” com aspas: dão prejuízo aos clientes fazendo as coisas mais ou menos.
Mas voltemos à política, onde a mentira parece ser a ferramenta básica. A coisa vem de longe. Essa, por exemplo, de dizer que o poder vem direto de Deus é uma baita mentira – que vigorou durante séculos. Serviu para sustentar o poder dos reis. Para garantir privilégios (vamos chutar!) de 5% da população, formada pela nobreza: duques, condes, barões. Veja um filme mostrando como viviam as nobrezas: palácios, prataria, criadagem, caçadas, bailes, chiquezas! Enquanto isso, o povão – 75%! – ralava, adoecia, morria. E aceitava tudo como natural.
Como isso foi possível? Simples: 20% da população ajudava a dourar a pílula. Faziam o meio de campo produzindo fumaça, fofocas, convicções, feiquenius. Organizavam-se em corporações, igrejas, escolas, partidos, mídia. Enquanto nos extremos a nobreza se divertia e a ralé ralava, esse pessoal trabalhava ferrenhamente para viver imitando os 5%. Para isso ser possível, precisavam criar o mundo das aparências, sobretudo através da mídia, avacalhando os inimigos aplicando-lhes a lei, e blindando os amigos através da política.
Às vezes a situação era abalada porque alguns desses 20% queriam entrar para os 5% e promoviam revoltas, – como aconteceu na Revolução Francesa, em que o poder divino dos reis caiu por terra. Dizia-se agora que vinha do povo.
Trocou-se uma mentira por outra, pois esse povo excluía negros, mulheres, pobres, analfabetos. O voto era censitário (precisava ter posses para votar) ou de cabresto. Ai da cidade que não elegesse o candidato do governo! Ficaria à míngua.
Pois muito bem: e hoje? Além das globos, sbtês e records, há saites, blogues, tuíteres, instagrams. A tecnologia criou novos mecanismos, ferramentas poderosas para, em cima dos fatos, colocar tantas versões que fica difícil saber se fulano é gente boa, se é mito, se foi facada ou palhaçada.
Sento-me diante da TV no apartamento de meu amigo médico. A esposa também é médica. Têm uma filha de doze anos. Pergunto se posso ligar. Ele me responde que não adianta, o aparelho não capta nenhum canal. Nem Globo, nem SBT, nem Band. Nada. Ninguém vê TV. Na verdade, a pergunta foi de mentirinha. Nem eu estava interessado em ver “programa” ou saber “notícia”. Mas foi interessante constatar que esse casal de médicos não vê tevê. Nem a filha.
Quanta diferença se estivéssemos em 1970, quando TV era indicador de modernidade. Hoje, nem passados 50 anos, esse extraordinário aparelho entrou no time dos eletrônicos superados. Está indo para o lixo como foi o radinho de pilha, que os jovens da época de Elvis Presley e Beatles carregavam com ostentação, mostrando como eram avançados. E curtiam as músicas, as notícias, as publicidades.
Foi-se também o telefone fixo, que as famílias lutavam por possuir, pagando caro o direito de uma linha com o número, de início 4 algarismos. Surgiu como grande novidade, e era uma vitória quando se conseguia fechar o circuito e ouvir a voz desejada do outro lado. Pedia-se à moça da telefônica – que funcionou na rua Gérson Duarte Coelho, atual agência de imóveis ABM. Fazer um interurbano – de São Gotardo para BH ou Araxá, por exemplo – custava caro e exigia tempo e paciência. Mesmo assim, os passadores de trote conseguiam fazer ligações para o general Geisel e chamar o Antônio da Luca para conversar com ele. Era comum um engraçadinho chamar alguém de madrugada para dizer que enganou de número. (Talvez por isso inventaram a bina!) Pois esse telefone fixo ainda existe, mas com bem menos prestígio que no século passado. O celular, ao que tudo indica, vai despachá-lo para o museu.
Ele próprio teve melhorias ao longo do período em que brilhou. De início, os números eram acionados com o dedo indicador que girava uma peça na base do aparelho, o 1 rapidinho, o zero custava a girar. Depois apareceu um telefone móvel, cujos números eram rapidamente digitados. Muito mais confortável falar andando para cá e para lá.
Para ouvir música, um jovem de 1970 precisava comprar uma eletrola, um disco de vinil de 78 rotações, que evoluiu para 25 rotações. A diferença era grande. No primeiro, mal cabiam duas músicas; no outro, houve um avanço notável: 16! Os discos precisavam ser cuidados, mantidos limpos e jamais poderiam ser riscados. A agulha tinha que ser nova para produzir um som de alta fidelidade. Vitrolas, radiolas, eletrolas tiveram vida curta. Logo apareceu o CD, menor e com mais músicas. Nem bem o século terminou, veio o computador, o pendraive, e aquelas maravilhas eletrônicas viraram lixo. O jovem do novo milênio nem sabe do que estou falando.
Eles não têm dificuldade alguma. Com um aparelho minúsculo, não só dispõem de centenas de composições quanto são capazes de produzir um volume tão alto quanto grandes caixas de som. E com a multiplicação irrefreável dos automóveis, com sons instalados e mais os amplificadores, o volume aumentou exponencialmente.
E por falar em automóveis, está passando de hora de eles também tomarem o mesmo caminho. Em 1950, circulavam na cidade alguns jipes e carros fechados (como se dizia) de fazendeiros, médicos e advogados. Agora há carros por todo lado, inclusive nos bairros novos. Aumentam os estacionamentos pagos, pois está difícil achar vagas nas ruas. Mas, ao que tudo indica, e pela lei implacável do progresso, em breve estaremos desativando também os carros (pelo menos os particulares).
Vamos partir para as bicicletas e o uber, como já se faz no Primeiro Mundo. É uma boa escapar das amolações de IPVA, seguro, CNH, multas, rotativos, estacionamentos, seguro. Já há especialistas de economia dizendo que fica mais barato do que possuir um carro. Em caso de uma viagem maior, a opção é alugar um veículo com motorista e tudo.
E a cidade vai ganhar. Menos barulho, poluição, veículos em circulação, acidentes, perigo para as crianças. Não só a cidade, mas as pessoas e o planeta. Só o PIB vai perder. Mas essa é outra história. Afinal, PIB?
Muito antigamente, um mestre famoso resolveu dar uma festa. Todos estranharam. Nunca ele fora dado a festas! Seria para comemorar seus 100 anos? Uma celebração com os inúmeros discípulos? Perguntaram-lhe.
A resposta levantou dúvidas e críticas. Era para homenagear seu mestre há anos falecido. Mas como? O senhor teve mestres? Seguia um mestre? Pois ensinou a todos nós que ninguém deveria seguir ninguém! Que o certo é cada um seguir a si próprio, pensar com a própria cabeça! Então? O senhor não estaria contradizendo os ensinamentos de uma vida inteira?
O mestre balançou a cabeça, confirmando. Sim, ensinara. Por isso mesmo a homenagem que pretendia fazer era justa. Foi com seu antigo mestre que aprendeu. Passou a pensar com a própria cabeça e a andar nos próprios pés, isto é, a não seguir ninguém. A ser uma pessoa livre, autônoma, gente grande. Daí a homenagem.
Trata-se de um paradoxo e a história leva a refletir.
O fato é que pensar com a própria cabeça é difícil. Se perguntarmos, é quase certo que todo mundo vai falar: penso com a minha cabeça. Até uma criancinha fala isso. Aliás, elas mais que os adultos. Quanto mais bobinho, mais vai dizer: sim, penso com a minha cabeça.
Verdade é que, primeiro, pensamos com a cabeça dos pais. Eles são atleticanos, somos também. Ateus, católicos, budistas? Somos também. Falam mal do fulano beltrano sicrano? Falamos também. Até os gestos, o tom de voz, a grosseria ou a delicadeza, imitamos também.
Mesmo quando temos condição de perceber que eles estão erradíssimos. Às vezes, é um vício horroroso: jogar, por exemplo. Sou jogador porque meu pai também era. Bebo, porque meu pai morreu de beber. Trato minha mulher com total estupidez igualzinho meu pai fazia com minha mãe. Por aí vai. Nem com o batizado essa fixação costuma acabar. Porque, se o caro leitor pesquisar, vai ver que o significado do batizado é esse: agora você é filho de Deus e não dos seus pais. Veja se fica livre deles, pelo menos das manias mais horrorosas.
Bem, depois você, como eu, como todos, teremos outras influências. Na escola, muitas. Principalmente porque lá é o lugar das diferenças. O convívio não será apenas com irmãos e primos, tios e avós, mas com filhos de adversários políticos, imigrantes, nordestinos, japoneses, ricos e pobres, feios e bonitos. E professores de variadas tendências: esquerdistas, direitistas, neutros, ativistas.
Estão querendo eliminar essa variedade com o tal projeto Escola Sem Partido. Será que vão conseguir enquadrar todo mundo numa linha pura em busca do conhecimento científico? Difícil, uma vez que até a ciência tem suas inclinações partidárias.
Mas a escola nem é, hoje, o principal influenciador de nossas cabeças não-pensantes. Quem mais faz nossos pensamentos é a Rede Globo. Por que, afinal, você, uma pessoa tão inteligente, come tanta porcaria? Porque a propaganda está lá na Globo! Por que a geração dos anos 50 a 80 fumou tanto hollywood e continental? Por que a propaganda estava lá, dizendo que fumar fazia as pessoas felizes. Foi um custo acabar com essa ideia besta. Agora até os fumantes “sabem” que não é tão legal assim! Por quê? Começaram a fazer nossa cabeça na televisão.
Mas não é só a Globo. Tem também o SBT, a novela, o prestígio dos famosos, e a gente acaba bebendo coca-cola porque está lá: o jogador tal toma, o artista tal recomenda. E agora essa potência chamada internet, com instagram tuíter feice iutube netflix! É influência de todo tipo, boa e ruim.
Claro, procuramos eleger influências de padrão mais elevado. Por exemplo: Jesus. Queremos segui-lo. Aliás, fazemos parte da “civilização ocidental e cristã”. Mas aí a pergunta: seguir Jesus é fácil? E quando ele fala para dar a cara a tapa, em vez de retrucar com canhões e bombas? E quando fala que o rico entrar no céu é difícil, sendo que o que mais buscamos é riqueza – material mesmo, dinheiro!? Como é que fica?
Conclusão: vale a pena pensar com a própria cabeça? Valer vale, mas é difícil. Precisamos de mestres que nos ensinem essa coisinha simples: a ser críticos, gente grande, responsáveis. Isto é: a pensar com a própria cabeça. Até para podermos escolher as influências que valem a pena.
Definição de dicionário: conjunto de coisas que não servem mais e são jogadas fora. É o que chamamos “lixo”. Mas, se pensarmos, veremos que muitas coisas que jogamos fora ainda são bem úteis.
Vamos pegar uma latinha de cerveja. Tomou-se o conteúdo, a latinha não serve mais, virou lixo. Mas lixo para nós. Verdade que um montão de latinhas, compactado e pesado, pode render 4 reais o quilo. Ali há metal, alumínio, matéria-prima para produzir outras latas. Tanto é assim que muitas pessoas se dedicam diariamente a essa atividade como fonte de renda.
Esse raciocínio vale para uma infinidade de objetos descartados como lixo. Cadernos, livros, jornais, borrachas, canetas, garrafas PET, vidros, copos descartáveis, isopor, pneus, computadores, celulares, geladeiras, microondas, pilhas, carregadores de bateria, videogueimes, e aparelhos antigos já esquecidos como rádios, vitrolas, máquinas de escrever, etc. Há neles também matéria-prima como celulose, alumínio, chumbo, borracha, baquelita, mercúrio, cádmio, tungstênio, ferro, e até prata e ouro.
Mas, tirando os empresários do ramo – como o nosso Seu Miguel e outros –, para a maioria das pessoas trata-se de um material que queremos ver longe de nossas residências. E ele é bem diferente de cascas de frutas como laranja, banana, abacaxi, restos de verduras e legumes, de alimentos que sobram nos pratos, para os quais a destinação seria bem simples se morássemos na zona rural. Iriam para os animais, como se fazia antigamente. Ou, quando as cidades eram pequenas, como São Gotardo nos anos 1950, os lotes eram enormes, havia espaço para jogar tudo direto na terra. Ali virava adubo. Ninguém tinha problema com lixo.
Acontece que, de 50 anos para cá, o progresso chegou rápido, com muitas mudanças com as quais convivemos bem: ruas asfaltadas, fartura de roupa pronta, selfessérvice, locomoção rápida, comunicação instantânea, cerveja gelada na latinha... Bem, trouxe também os inconvenientes, a começar dessa latinha aí atrás.
A latinha é apenas um símbolo de todos os outros produtos diariamente acumulados e despejados nos lixões. Em nossa cidade, são quatro caminhões, cada um com uma carga de 9 toneladas, num total diário de 36. Fazendo as contas, aproximadamente um quilo por habitante. No mês, são 1.080 toneladas, e no ano cerca de 12.960. Como esse material não é como uma casca de banana, que se dissolve rápido na terra, temos aí um problemão.
A começar da coleta, feita pela Coordenação do Recolhimento de Lixo Urbano da Prefeitura, sob a responsabilidade de Júnia Marize de Araújo. Ela dispõe de 3 veículos especializados para esse serviço, e mais uma caçamba como reserva de contingência. E conta com 14 funcionários, os coletadores, que todo dia circulam pela cidade aliviando a população de seus descartes diários.
Mas, no momento em que você se livrou de um problema, começam os problemas para outros. Levar sacolas de lixo orgânico misturado com copos de plástico, latinhas de massa de tomate, vidros, papel, para não falar em pedaços de ferro, seringas de fazenda, entulho, etc., já é um mau começo. E quando esse material vem em caixas de papelão molhado, que furam quando são levantadas do chão, pior ainda.
Não temos ainda – como já acontece em 20% de municípios brasileiros, inclusive Matutina – uma coleta seletiva. Para tanto, é necessário que as autoridades debatam o assunto, estabeleçam um projeto e comecem a agir, procurando envolver a sociedade para que se crie uma cultura moderna, civilizada, em que cada pessoa dê a contribuição que pode dar.
O leitor pode começar fazendo sua parte: separando metal, plástico, papel, vidro, de um lado, e orgânico do outro. Pode também levar sua cesta ao mercado, ou no mínimo economizar nas sacolinhas. Além de, evidentemente, consumir menos. Mas essa é outra história.
Quanto às autoridades, podem contribuir fazendo também uma coleta seletiva. O lixo orgânico pode virar adubo, e o outro ficar disponível para nossos empresários o explorarem.