Interrompo a série de escritos sobre meu pai, mas sigo indiretamente falando dele também. É porque este artigo será publicado em maio, mês das mães.
Começo lembrando de uma celebração em que eu tive a felicidade de acompanhá-la, já bem velhinha, mas lúcida e independente como foi até o fim da vida. Estavam enaltecendo as mulheres até que foram interrompidos pelo Amém, que afirmou: “Acho que mulher não é isso tudo, não...” E ele tinha razão, pois as mulheres são humanas, têm qualidades e defeitos, a maioria dos dias excelentes, mas alguns nem tanto, mas eu não estou aqui para apontar defeitos, especialmente a respeito de minha mãe.
O primeiro agradecimento é extensivo ao meu pai, pois eles nunca travaram suas disputas na frente dos filhos e pudemos crescer na ilusão de que a vida deles fluía sem entreveros.
“Minha mãe não trabalha” era o que a gente dizia das mulheres que não trabalhavam fora, como se administrar uma casa, gerindo 14 ou mais pessoas, acompanhando o crescimento da récua de filhos, fazendo o milagre de um lar funcionar e por mágica nós tínhamos roupa limpa, comida boa, bons resultados na escola, como se isso não fosse trabalhar. Não é verdade, as nossas mães trabalhavam muito. Mamãe, depois de verificar nossos deveres, ainda acompanhava os estudos das moças que, para isso, estavam conosco e ajudavam na lida da casa, não deixando que elas perdessem ano e dando de prêmio o anel e roupa de formatura.
Era uma professora formada, com um nível superior da época, tinha uma excelente memória e grande cultura. Ela cuidava da criação dos filhos e nosso pai da manutenção da família. Eles se comprometeram a dar um diploma a cada filho e cumpriram esse propósito. Pudemos estudar sem trabalhar e ganhávamos um fusquinha na formatura.
Adélia Caetano Fonseca, filha de Francisco Caetano Quito e de Ana Carolina da Fonseca, tinha uma personalidade forte e, como seu noivo disse que para ele era indiferente ela acrescentar seu sobrenome, continuou com o nome de solteira, fato inusitado até hoje.
Cozinhava muito bem e costurava para todos nós. A nossa casa ficou imensamente vazia quando ela nos deixou, mas a saudade já vai se tornando menos dolorosa, virando uma suave e boa lembrança.
Os valores deles nos foram transmitidos mais com o exemplo de vida do que com discursos morais. Meu pai, quando ia a BH alugar os filmes para o Cine Serrano, voltava trazendo os romances de sucesso na época, que ela lia depois que os filhos iam dormir. Lembro-me especialmente de dois deles: “Como era verde meu vale” e “Sepultando os meus mortos”. Além disso, ela gostava de poesia e de bons discursos, pelos quais elogiava, por exemplo, o Itagiba Melo e o Mundinho Mendes. Repetia parte do discurso do Dr. Sebastião Montandon Pereira, no RJ, no féretro de João Pessoa: “Homens como ele deveriam ser enterrados de pé, de pé como sempre viveram.” Numa excursão pelo Nordeste, foi a única a saber e cantar o Hino da Paraíba.
Era rígida em nossa educação e uma leoa para nos defender. Cheia de muitas certezas, nunca teve a sua fé abalada e participou bastante do Apostolado da Oração.
Teve uma vida ativa e intensa. Na etapa final de sua caminhada, descreveu as atividades de cada dia da semana, registrando que a quarta era seu dia de descanso.
Guardo comigo um livrão em que ela colava as poesias e pensamentos que recortava dos jornais e revistas, cuja foto ilustra este texto, e que pretendo doar para a biblioteca 'daqui”.
Parafraseava Ataulfo Alves e dizia: “Eu era feliz e sabia!” Deve ter chegado no céu, dizendo: “Eu fui feliz e sabia!”
Ps: não posso deixar de fazer, também, a merecida homenagem para Dodora Gontijo, minha esposa, e para minha sogra, Oneida.
Luiz Sérgio – 01.03.2024 – coautoria do Marcinho