Cleidiane Pereira é natural de uma cidade do norte de minas. Como todo migrante, veio para São Gotardo em busca de uma oportunidade, de um emprego. Antes de ingressar no serviço público, trabalhou por um bom tempo nos campos de produção agrícola; sempre a primeira opção para a maioria dos migrantes.
Mal imaginava ela que um dia mudaria radicalmente de atividade profissional, e que viria a realizar um desejo um tanto inusitado para a maioria das mulheres: “sempre tive vontade de trabalhar na coleta de lixo... via as meninas passando, percorrendo as ruas da cidade, juntando sacos deixados nas calçadas e jogando dentro do caminhão de lixo. Hoje estou aqui; gosto muito de trabalhar com elas.” Confessa. E conclui: “As pessoas reconhecem e dão valor ao nosso trabalho. Exige muito esforço físico... No início é mais puxado, mas depois vamos pegando o ritmo”.
Cleidiane, ao lado de suas parceiras Maiana, Lucicléia e Mariana compõem a equipe de quatro mulheres que trabalham na coleta de lixo doméstico pelos bairros da cidade. Por onde passam, chamam a atenção dos transeuntes, que não escondem uma certa surpresa e mesmo, admiração pelo esforço quase hercúleo de tão nobres senhoras. Alguns se perguntam: não é pesado demais para elas? Isso não é serviço de homem?
De segunda a sábado, de sol a sol, percorrem um roteiro estabelecido, correndo ladeira abaixo, ladeira acima. Como prova de capacidade e disposição das coletoras de lixo, é bom lembrar que há mais de um ano executam esta rotina de trabalho. Delas, são exigidos o mesmo empenho que da equipe de homens. Nada de facilidades.
O Coordenador de limpeza pública urbana, Ênio Moreira, atesta: “Esta experiência de trabalho feminino na coleta de lixo vem dando muito certo. Desfazemos aquela impressão de que não era trabalho para mulher. Nossa equipe é muito competente, fazem o trabalho bem feito. Delas, são exigidos o mesmo esforço que dos homens, e não temos do que reclamar. O trabalho delas é nota 10. Elas estão aqui para somar.” Ênio aproveita para fazer algumas recomendações: “O que pedimos aos moradores é que se adequem à legislação municipal. A instalação de lixeiras, por exemplo, é obrigatória. Elas impedem que o lixo se espalhe pelas ruas, além de facilitar o trabalho de coleta. Houve uma adesão da população a esse respeito, mas é importante que cada casa tenha sua lixeira. Outra recomendação que fazemos é não colocar objetos pontiagudos(vidro, material cortante...) que possam ferir nossos coletores e coletoras; quando houver esse tipo de material, coloque de maneira a evitar o contato direto com as mãos.. É importante ressaltar que o caminhão-prensa só coleta lixo doméstico, como restos de alimento. Nos sacos de lixo não pode colocar entulho, metal e outros materiais recicláveis.”
Falando em somar, por curiosa coincidência, quem dirige o caminhão-prensa, o qual as coletoras abastecem diariamente com as centenas e centenas de sacos de lixo doméstico, é também mulher. Falando a mesma língua, a equipe se completa. Sandra trabalha como motorista há seis anos, e há sete meses dirige o caminhão de coleta: “Somos uma equipe de cinco mulheres; somos muito unidas e procuramos ajudar umas as outras.”
Não é tarefa simples conduzir um caminhão de coleta de lixo pelo trânsito caótico da cidade. Quase todos os dias, Sandra tem de lidar com a impaciência, e até desrespeito, de alguns motoristas: “É bem complexo trabalhar nas ruas de maior movimento. Tem motorista que respeita nosso trabalho, outros não, inclusive, agridem verbalmente; somos muitas vezes desacatadas. Como as ruas são estreitas e o acostamento está sempre ocupado temos que seguir a via principal e é preciso um pouco de paciência de todos para realizarmos o nosso trabalho, que é em benefício de todos, não é mesmo? Nossa preocupação é de sempre causar o mínimo de transtorno. Por mais que as meninas corram, não podemos deixar lixo para trás, então nosso trabalho é uma combinação de paciência com agilidade. Pedimos mais compreensão por parte dos motoristas.” lembra ela.
A difícil tarefa de ser muitas
Não é surpresa o ingresso das mulheres em mercados de trabalho onde a força física é o principal atributo exigido. Basta acordar de madrugada e acompanhar as filas de espera dos ônibus de trabalhadores rurais.
Percentual significativo da mão de obra que alavanca o sistema de produção agrícola aqui no Padap é composto pelo sexo feminino. Por força da necessidade, elas se desdobram para dar conta das múltiplas tarefas diárias, que inclui ainda os serviços domésticos, a criação de filhos...etc.
O que chama a atenção portanto nos serviços prestados pela equipe de mulheres na coleta de lixo não se restringe ao esforço físico exigido, é o ineditismo na ocupação em um posto de trabalho até então, exclusividade dos homens. Neste contexto, elas reafirmam o poder e capacidade feminina de romper barreiras, com o mesmo desprendimento de uma gerente de empresa ou juíza.